segunda-feira, 21 de junho de 2010

As pessoas da minha vida #3 – Os amigos de uma vida inteira

Ah, os amigos de uma vida inteira... Não dá pra medir esse tipo de amizade pelo tempo em que se conhecem. Amigos de uma vida inteira você conhece desde sempre. Quando você conhece, percebe que vocês já se conheciam. Amigos de uma vida inteira é aqueles que bate o santo de primeira.

Ok, nem sempre é de primeira a empatia que a gente sente pelos amigos de uma vida inteira. Graças a Deus a gente tem a oportunidade de mudar de ideia sempre que a gente quiser! Mas posso dizer que é difícil de acontecer um caso de que eu não ia lá muito com a cara da pessoa e me aproximei devagar e virei amiga pra sempre. Até porque é bem difícil eu torcer o nariz pra alguém, seja lá como a pessoa for.

Faz dois meses que eu estou longe de todos e quaisquer amigos. E faz dois meses que eu tenho sonhado muito com eles. Gente que fez parte da minha vida em todas as fases. Gente que fez parte da minha rotina em diferentes épocas. Porque meus amigos de verdade, de uma vida inteira, nem sempre conviveram comigo, me viram toda a semana, desde sempre. Mas tenho sonhado com muitos, todas as noites, e todos misturados. Grandes amigos da época do colégio, da faculdade, do mestrado. Do ballet, da rua, da internet, de outra nacionalidade. E acordo com uma sensação de segurança e leveza.

Você aprende a reconhecer amigos de uma vida inteira quando tira o peso e a cobrança dessas relações. Pára de criar expectativas. Sim, até em amizade a gente cria expectativa. Quer as pessoas sempre disponíveis e elas não são e não há nada que você faça que possa controlar isso se o outro não permitir. Amigo de uma vida inteira você fica muito tempo sem dar e receber notícia e nada muda na relação. Você sabe que o outro está vivendo a vida dele e quando o outro quiser dividir, ele sabe que vai encontrar a porta aberta. E assim é com você também. Eu não me preocupo em estar sempre em contato com os meus amigos de uma vida inteira. Mas eles fazem parte da minha vida sempre! E como é a dinâmica? É natural. É a mesma coisa que saber que meus pais e meus irmãos me amam. Que lembram de mim quando vêem algo relacionado à ballet, por exemplo, mesmo que seja um grampo de cabelo. Meu irmão não me avisou que ele vai casar, por exemplo, mas fiquei sabendo e não fiquei brava por ele não ter me contado. Fiquei feliz por ele, farei o que puder para ajudá-lo no que for. Sei lá porque ele não avisou. Acho que é porque deve ser chato ter que ficar contando pra todo mundo porque você está tão feliz! Mas isso não faz com que eu goste menos dele. Quero a felicidade dele e isso basta!

Com os meus amigos de uma vida inteira é a mesma coisa. Esses dias, passeando pelas lojas, vi um óculos de sol de bolinha, igualzinho ao que uma grande amiga minha perdeu uns tempos atrás e eu comprei. Eu não falei pra ela ainda, faz tempo que não nos vemos (se duvidar, mais de um ano!), mas ela está sempre no meu coração.

Tem também os amigos de uma vida inteira que eu acabei de conhecer. Eu sei que esses eu vou precisar do tempo pra me dar razão. Mas a gente reconhece ou se apega à isso. Se não nas coincidências, na empatia que sentimos na primeira conversa ou na disponibilidade recíproca pra ter pessoas de coração grande por perto. E a distância não é capaz de diminuir nem os recém-chegados à melhor condição de amigo! E eu tenho exemplos lindos de como isso é possível. De como amigos de verdade você não escolhe, reconhece. Mas como quase tudo nessa vida em termos de relação, depende de ambos pra dar certo! Da abertura e da disponibilidade.

A última vez que isso aconteceu faz poucos meses. Eu já estava de malas prontas e não tinha mais nada que me prendesse na minha vida antiga. E em plena véspera de feriado fui almoçar com uma menina (ou mulherão, depende do ponto de vista!) que eu não conhecia e fazia tempo que não me reconhecia tanto em alguém! Ela foi contando da vida dela e eu fui lembrando da minha. Dos desencontros filhos da puta que já vivi por aí. E rindo, feliz da vida, dos encontros como aquele que estava acontecendo, naquele minuto!

A gente nunca tinha se visto na vida e ela foi falando da vida dela e eu da minha. E por que falar assim da própria vida, dos piores medos pra quem você nem conhece? Olha, eu penso mais em “por que não falar?”. As coisas passam tão rápido e qual o problema em assumir por aí que você já foi burra, ou louca, ou impulsiva, nessa vida? Que já amou demais e se amou de menos? E quem não foi? E quem não fez? Eu só sei que foi ela quem segurou um super perrengue meu por aqui! E, ainda por cima, estando em outro hemisfério. É quando você está sem chão e, mesmo sem pedir ajuda, alguém te oferece – ombro, colo, ouvido e voz, muito obrigada! – que você percebe com quem pode contar.

Com amigo da vida inteira você não briga. Você se afasta, respira fundo e volta. Tudo bem, pode até rolar um bate-boca, uma alteração nos nervos, um descompensamento momentâneo da relação. E ainda bem que a gente não precisa dormir na mesma cama que os amigos pra uma vida inteira. Eu já me esquentei com alguns dos meus amigos e, quando é pra vida inteira, isso passa. Sempre passa. Geralmente é porque não concordo com algo mais sério e porque eu perco a paciência com a pessoa. Não por julgar. Mas porque sei que a pessoa vai se arrepender, perceber e sofrer pela decisão que ela tomou. Poucas coisas eu não consigo entender ou apoiar mesmo que, se eu estivesse na situação da pessoa, eu escolhesse diferente. Mas acontece. Nessas horas eu aviso que vou me afastar, que eu quero deixar de ficar sabendo certos acontecimentos da vida da pessoa e que ela pode contar comigo caso ela se foda e se arrependa. E que faço questão de continuar do lado dela pra todas as outras. Claro que é difícil de manter o contato. Mas as coisas sempre voltam ao normal quando a amizade é pra uma vida inteira. Já aconteceu algumas vezes. Sempre existe um certo estranhamento na reaproximação. Mas meus amigos pra uma vida inteira sempre me entendem (e me perdoam, é verdade! Porque tenho que admitir que sempre sou eu a cabeça-dura que tem dificuldades pra lidar com certas coisas).

Os meus amigos de uma vida inteira estão sempre na minha vida. Mesmo que eu não possa abraça-los tanto quanto eu gostaria. São as pessoas que eu amo mesmo que eu seja desleixada e deixe de dar notícias. Mas que sei que, quando eu o fizer, eles vão ficar felizes de saber de mim. São os amigos que tem meu sorriso no meio da tarde, quando recebo notícias pelos amigos dos amigos, pela atualização do facebook ou por emails e telefonemas. Amigos da vida inteira são aqueles que você sempre tem vontade de abraçar quando pensa neles.

sábado, 19 de junho de 2010

As pessoas da minha vida #2 - Quando eu me engano

Comecei a pensar nas pessoas que fazem parte da minha vida e em quantas vezes eu já me enganei. Enganada no sentido de equivocada e não no sentido de ingênua. Apesar que já fui muito ingênua em se tratando de pessoas que passaram pela minha vida.

Eu sou o tipo de pessoa que parte do princípio que as pessoas são confiáveis. Eu confio em qualquer pessoa que se aproxima de mim e sempre me mostro disponível. Porque eu sou disponível! Começo qualquer tipo de relação completamente aberta e vou colocando limites conforme os vínculos se desenvolvem. Mas não sei fazer isso direito, ainda. É comum acontecer uma relação desequilibrada, em que eu estou fazendo muito e recebendo pouco. Hoje em dia, acontece menos. Ou por menos tempo. Já tenho um pouco mais de maturidade e perspectiva ampliada para perceber como a relação se desenvolve. Mas, de novo, não é difícil perceber, com o tempo e a distância e, consequentemente, com o distanciamento, como as coisas que eu sentia e a forma que eu enxergava aquela amizade, era equivocada.

A última vez que aconteceu foi uma amizade que eu considerava pra vida inteira. Começou como uma relação de trabalho e, hoje, pouco tempo depois, não existe mais. Eu poderia morrer dura de um ataque super raro que eu não duvidaria que essa pessoa riria da minha cara. Minto! A última vez que aconteceu foi um amigo que eu considerava muito, muito mesmo. Ficamos amigos depois de sermos amantes. Acho que esse é um dos exemplos mais completos de amigo que eu tive. Porque, no texto passado, eu dividi as pessoas da minha vida em 7 diferentes tópicos mas, é claro, foi somente por motivos didáticos. Não dá pra separar relação igual se separa roupas por cores dentro do guarda-roupa. Nem por estação. Não existe amigo da coleção Primavera, Verão, Outono ou Inverno. É tudo muito misturado e a gente só sabe mesmo o que sente, sem explicar direito!

Mas esse amigo eu conheci pela internet, mas desde sempre, já ia muito além. Tivemos um caso que acabou rápido e nos tornamos grandes amigos. Enquanto era conveniente, é claro. Não tinha resolvido muito bem as coisas na minha cabeça, resolvi abrir o jogo e me distanciei. Coincidiu com o fato de eu ter viajado e bem... a distância era física também. Me distanciei (sim, foi escolha minha porque a confusão era minha e eu sempre soube disso!) e resolvi o que eu tinha que resolver na minha cabeça. Ele já era um ex-caso que virou amigo e um amigo pra vida inteira. E foi por isso que eu tentei me aproximar de novo. Mas virou um típico caso de quando eu me engano!

Nem sempre quando existe um primeiro distanciamento é possível que exista uma reaproximação. Com amigos de uma vida inteira isso acontece de forma natural. Já perdi as contas de quantas vezes já cheguei para grandes amigos meus e disse: “olha, não concordo com o que você fez, nem com a forma com que você pensa. Não consigo conversar com você por um tempo porque não quero te julgar e nem ficar brava com você. Mas vai passar”. Sempre passou. Sempre as coisas voltaram a ser como eram. Claro que existe um certo estranhamento na primeira hora que voltamos a nos falar. Mas estranhamento é diferente de mágoa e rancor. E eu não guardo esse tipo de coisa comigo.

Eu não sei porque minha amizade com esse amigo (ou ex-amigo, se é isso que existe!) terminou. Fiquei bastante chateada e vira e mexe ainda tento falar com ele, puxar assunto, contar dos meus dias. Sinto falta de saber dos dias dele também. Às vezes eu penso que eu era só conveniente para ele enquanto estava perto. Era conveniente enquanto ele não tinha que lidar com os meus sentimentos e minhas mudanças de humor. Conveniente enquanto ele precisava de alguém pra ter do lado e colaborar com a auto-estima dele, considerando que ele estava se fudendo no namoro. Tentei repetir pra mim as desculpas que ele me dava, tentando acreditar que ele era só ocupado, ou ferrado no trabalho, ou com problemas com a namorada. Mas ele já tinha todos esses problemas quando me conheceu.

O mesmo com a “amiga” do trabalho. Dividimos a mesma mesa e é difícil acreditar que faltava tanto tempo assim pra um café, pra um telefonema. Algumas vezes ela me procurou para saber como eu estava. Assim como esse meu amigo. Mas geralmente eram as vezes que eu estava feliz, ou que algo de bom tinha acontecido na minha vida e eles ficavam sabendo pelo twitter, pelo facebook, ou whatever! “Jura que você está apaixonada? Por quem?”. “Fiquei sabendo que você está indo viajar? Quando você vai?”

Eu percebo quando eu me engano quando deixo de ter vontade de responder. E, mesmo assim, sinto um nó na garganta de saudade do que eu pensei existir. Saudade de dividir os perrengues, de jogar conversa fora e de poder exagerar achando que eu não estava sendo julgada. De não ter medo de falar sobre mim e escutar sobre eles e ser interrompida. Porque amizade de verdade, mesmo quando existe um compromisso no meio, milhares de quilômetros, namorados, etc, não interrompe a conversa, só suspende. Eu – e o outro – sabemos exatamente onde paramos e sempre queremos saber o fim da conversa. Mesmo que o outro não lembre mais do que estava falando.

Amigo de verdade sempre quer saber se você está bem. Mesmo que ele mesmo não esteja. E, principalmente, quando ele está! É. Geralmente eu me engano com esses amigos que só são amigos quando estão se fudendo na vida. Quando estão carentes e inseguros. Amigos de conveniência. Que funcionam bem enquanto estão em crise amorosa, no casamento ou no namoro. Depois que passa, a amizade é descartável. Cansei de atender telefonema de madrugada, sábado de manhã, domingo depois das 22h pra escutar ou sair correndo, nem que fosse pra jantar e conversar com esses amigos. E me senti perdida quando precisei de 5 minutos – pra um café, meia dúzia de palavras, um sorriso e um abraço, que fosse – porque não tinham tempo, precisavam marcar na agenda (data e horário, por favor!), num dia livre, quando não tinham mais nada para fazer. Ou a resposta era simplesmente: estou correndo, depois falo com você. E depois era sempre nunca mais!

Mas aprendemos a fechar portas da mesma forma que aprendemos a abri-las. E não desprezo o fato de me enganar com certas pessoas. E não julgo também. Penso que é só uma forma diferente de viver as relações. Tem gente que tem dificuldade de sair da superficialidade e vive de relações descartáveis e fúteis. Convenientes. Talvez certas estejam elas. Mas ainda não consigo ser assim. Talvez seja por isso que essas pessoas não fazem tanta falta assim na minha vida. Eu me despeço, geralmente em silêncio, e minha vida segue. Porque até eu canso de implorar amizade.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

As pessoas da minha vida #1 - Introdução

"É impossivel ser feliz sozinho", como diria Tom Jobim, em Wave. Mas Tom Jobim que me desculpe, se ele estava se referindo somente aos amores da vida. Pra mim, não estar sozinha, nesse sentido, significa sofrer! Mas não é por isso que eu comecei a escrever esse texto! E, pros curiosos de plantão, eu estou sozinha e feliz.



Mas se Tom Jobim estivesse falando genericamente que é impossível ser feliz sozinho, eu preciso concordar e generalizar ainda mais: é impossivel viver sozinho! Eu não lembro de um momento na minha vida - seja ele um perrengue daqueles ou algo que me emocionou positivamente - em que eu estivesse realmente sozinha. Que eu não pudesse dividir a minha vida com alguém! Aqueles que me conhecem devem estar torcendo o nariz e murmurando um " puf, duvido!", considerando que eu sou uma criatura deveras anti-social e com graus elevados de desapego emocional. Mas desculpa, nunca aconteceu! E eu estava pensando nisso hoje, no intervalo entre o café e os livros. Estava pensando nas pessoas que fazem parte da minha vida, assim, de forma genérica.

Porque existem diferentes formas e graus de envolvimento entre as pessoas que fazem parte da vida umas das outras. Tem aqueles amigos que você não tem muito contato no dia a dia mas parece que sabem quando você está bem, quando está mal e até que você vai casar, sem nem mesmo ter recebido ainda o seu convite de casamento. Amigos que você passa meses sem conversar mas sabe que pode contar com eles de qualquer jeito. Você fica meses sem dar notícia, anos sem encontrar pessoalmente, mas se um dia você for internado por qualquer motivo de saúde um pouco mais grave, são esses que vão passar a noite com você no hospital! São os amigos que você sabe que estarão no seu enterro!

Esses você reconhece e sabe quem são conforme o tempo passa! Eu tenho amigos desse tipo da época do colégio, da faculdade, do mestrado. Da internet, das aulas de ballet. Nao é muito o tipo de pessoa que precisa manter os mesmos interesses que você e muito menos a mesma rotina. E nem tem a mesma idade. Os valores são os mesmos que os seus e eles têm o coração grande! Eu também tenho o coração grande e prefiro rir do que chorar. E por que eu estou falando isso? Porque claro que já discuti, não concordei e julguei algum desses meus amigos. Assim como deve ter acontecido o inverso. Mas o que é supérfluo eu jogo no lixo, certas coisas passam, só o que é importante fica.

Esses amigos a gente reconhece com o tempo e com a distância. Pois é, eu acredito que dá pra conhecer melhor as pessoas quando você está longe delas. E quanto maior a distância e menor o contato, você sabe o quanto é importante pra alguém e o quanto alguém é importante pra você. Pessoas importantes fazem falta. Na alegria e na tristeza. Hoje faz exatamente 2 meses que eu estou longe de todas as pessoas que eu conhecia quando viajei. Ninguém que tem contato comigo - no sentido de olhar nos meus olhos, sentir a minha voz entalada quando eu estou segurando o choro ou me abraça na segunda-feira de manhã pra me dar uma boa semana - eu conhecia a 2 meses atrás. Algumas dessas pessoas vão ficar pra sempre e o tempo me dará razão.

Tem aquelas que foram importantes na minha vida, me mostraram valores e caráter - por contraste ou confirmação - mas que nunca mais vou ter contato, vou esquecer o nome e nunca mais ter notícias. E tudo bem! Mas tem todas as pessoas que ficaram pra trás, todas aquelas que eu conhecia antes de viajar. Algumas que eu via todas as semanas, que tinha mais contato. E até aquelas que eu não tinha contato algum! Sabiam que existiam, faziam parte da minha vida de alguma forma: amigas de amigas, namorada de ex-namorado meu, ex-caso-que-virou-amigo e até gente que saiu do meio do nada e a vida cruzou com a minha sabe-se lá por quê. E tem aquelas que se mostraram além de distantes, completamente indiferentes, alheias.

As pessoas mudam de dimensão quando você está longe e certamente isso tem mais prós do que contras. Com a distância, ganhamos em perspectiva. Temos menos detalhes mas, ao mesmo tempo, temos uma visão melhor do inteiro. De como as peças se encaixam e como cada uma muda a paisagem e as cores na sua vida!

Começa aqui uma série de 6 textos que vou escrever falando sobre as pessoas da minha vida, assim, de forma genérica: os amigos de uma vida inteira; ex-casos-que-viraram-amigos; a namorada do meu ex-namorado (e variações do mesmo tema!); a partir e além da internet; não por acaso; quando eu me engano. Mas não necessariamente nessa ordem! Vamos ver quanto tempo eu vou demorar! :x

sábado, 5 de junho de 2010

Das pequenas surpresas da vida


Estou em Toronto há quase dois meses. Tenho mais um mês pela frente. Eu não sei direito porque eu resolvi vir. Não sei direito como vou voltar. E não passei uma semana só aqui sabendo o que seria da minha vida no outro dia. Todas as vezes que fiz planos para as próximas 24 horas, eles mudaram.

Comecei a pensar se minha vida inteira tinha sido assim. Porque, se por um lado é bom viver de forma espontânea, mudando sempre de escolhas, por outro não deixa de ser uma vida sem propósito, recheada de planos frustrados. Porque de que adianta fazer planos se o objetivo não é cumprí-los? Fiquei pensando como é que foi que eu cheguei nesse ponto. Meu maior sofrimento na vida sempre veio por eu me cobrar demais, por me maltratar buscando ser mais do que eu era, melhor do que eu podia. Eu era aquele chefe austero, com prazos impossíveis, metas inatingíveis e que ainda diz que só não consegue cumprir o que foi proposto por muita incompetência. E eu sempre fui chefe de mim mesma!

Não sei quando abri mão de ser assim. Não sei se foi a idade ou se foi quando percebi que minha vida não ia ser pior se eu deixasse de fazer isso comigo mesma. Achava que valores não mudavam quase nunca. Pura bobagem! A gente abre mão de muita coisa, até do que a gente é, quando começamos a prestar atenção nos detalhes e que coisas grandes são, no fundo, pesadas demais pra se carregar por aí! Nada é grande demais que não possa ser deixado pra trás, cortado pela metade, pintado de rosa choque ou verde bandeira. A gente sempre acha que não, que imagina sair por aí abrindo mão de coisa importante na vida! E esquece que importante mesmo é conseguir sorrir no meio de lágrimas. Ser feliz ou sofrer, não importa. Desde que se mantenha a leveza e a brevidade da vida.

Quase dois meses aqui e os meus melhores dias foram aqueles que saí andando por aí, a pé, muitas vezes só com aquilo que os meus bolsos da calça podiam abrigar. Sem bolsa, sem maquiagem, sem salto alto. Um dia de sol lá fora e sem amarras. Para que pensamentos e sentimentos pudessem chegar e sumir com o vento, com a brisa, com a paisagem mudando com os passos. Acabei me surpreendendo com a vida e comigo mesma nessas tardes com sol e sem destino. Tardes longas no parque, com surpresas delicadas. Sorrisos sinceros de crianças que brincavam pelo caminho, uma feira de artes com artistas desconhecidos lembrando Embu das Artes, dar de cara com o Lake Ontario sem esperar por isso, deitar na areia, na beira da água, com a calça dobrada até o joelho para molhar os pés.

Das pequenas surpresas foram feitos a maior parte dos meus dias. Não acho que seja questão de ter mais tempo, só mais disposição. De viver cada coisa, cada momento, inteiro, enquanto ele estiver passando. Tem gente que quando está sol, quer que chova. E quando está chovendo, reclama que quase nunca faz sol lá fora. Tem gente que mora em São Paulo e queria estar em Minas Gerais e gente que mora em apartamento quer ir morar numa casa com quintal. Mas se tivesse um quintal ia reclamar que quintal só dá trabalho. Eu ando achando que não importa onde se está desde que você permita que a vida continue te surpreendendo. Com a chuva, com olhares, cheiros e vozes. Sorrisos de desconhecidos, detalhes desenhados na areia, flores desabrochando em jardins desconhecidos.