quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Quando o medo se desfaz

- Não é pra correr, entendeu? Não corre desse jeito que você vai se machucar.

A mãe sempre repetia, aos berros, segurando firme pelo braço da menina. Às vezes, a mãe ainda inventava histórias trágicas para argumentar o que ela vivia repetindo:

- A Rebeca, filha da Maria Julieta, quebrou a perna e colocou pinos. Cinco! Ficou sem andar um tempão e ainda a perna vai ficar torta pra sempre.

A menina, impressionada com aquelas histórias, parou de correr. Era uma criança que não corria nem quando ia ao parque, com aquele espaço todo. Ficava encolhida, sentadinha com os seus olhos tristes, olhando de longe as outras crianças se divertindo. Gritavam e corriam. Sorriam leves, flutuando pela grama. Às vezes, ela se deixava levar pela sensação de ousadia que gostava de enfrentar e saía correndo por aí, rindo. Era uma sensação de liberdade, de ser capaz de dar passos largos e rápidos sem se estrupiar no chão. E que sensação boa!

Mas, mesmo longe da mãe, lembrava da história da Rebeca, coitada, cheia de pinos. E não se permitia viver livre por muito tempo, correndo por aí.

A menina cresceu e esqueceu daquela voz que vinha aos berros, mesmo no silêncio de que ela não poderia fazer algo pelos perigos da vida. Descobriu que poderia correr pra onde quisesse, subir em muros, atravessar ruas e cruzar horizontes. Algumas vezes sabia até que poderia soltar seu corpo lá do alto de algum arranha-céu. Sabia que, tinha dias - e noites também! - que ela poderia voar. E que, outras vezes, seriam necessários pinos e remendos. Mas estes não restringiam mais suas vontades de poder ir e vir, pra lá e pra cá, quando quisesse.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Do outro lado

Eu não estou só triste. Estou confusa. Decepcionada, magoada. Mágoa, passa. Decepção eu já não sei...

Sabe, não foi pela traição em si. Não só por isso. Mas por tudo que ela representou. Não estou com raiva de você. É diferente de raiva e ódio o que eu sinto. Não é um sentimento amargo que vai crescendo. É um sentimento que tenta me matar por dentro. Não a facas, mas a agulhadas. E dói muito por dentro. É entre lágrimas e soluços que tento te escrever.

Primeiro, eu não quis acreditar. Toda vez que passava pela minha cabeça que existia a possibilidade de você estar me traindo eu lembrava de como somos ótimos juntos. Somos ou éramos? Será que realmente fomos? Sinto dificuldade em conjugar os verbos, dificuldade com os tempos, confusão com a realidade. Será que foi? E o que foi, era real? Mordo os lábios, desta vez para tentar calar meus pensamentos, para abafar a vontade que eu sinto de gritar, na tentativa de me livrar de tudo isso que se passa dentro de mim. Não quero pensar que todos os presentes, todas as brincadeiras, todas as músicas que você me dedicou, todos os textos que escreveu e que eu li como se fossem para mim, não eram realmente para mim. Queria conseguir continuar pensando que sim. Seus textos... Não consigo mais lê-los. Toda a certeza e orgulho que senti um dia lendo aqueles textos que eram seus, que eram meus, desapareceram.

Não é a traição que me incomoda. É lembrar da forma que você disse tantas vezes que queria me proteger de tudo, que eu sempre seria sua. E você vem e me apunhala pelas costas. É a forma que você me trata como a sua menininha e escreve coisas lindas que, agora, duvido que eram sempre para mim.

Eu sei, já erramos. Um com o outro, cada um por si. Mas imaginei que sempre tentávamos acertar. Era nisso que eu acreditava...

Lembro dos nossos planos, que seríamos felizes para sempre. Mesmo com brigas, quebrando porta-retratos. Lembro dos nomes que daríamos aos nossos filhos. Lembro do orgulho de ter você ao meu lado e me fazer sonhar e voltar a ser criança ao seu lado. E, logo você, que dizia que ser super-herói era me fazer sorrir... está me fazendo sangrar tanto por dentro. Tirou a minha paz, o meu chão. Nunca quis tanto um chão... Eu que sempre pensei que viver fora do chão era viver de sonhos, com você. Não, não é.

Queria entender o que te levou a fazer isso. Concordo que as chances de eu descobrir algo e acreditar eram pequenas. Mas elas existiam. Sinto-me culpada e me pergunto onde foi que eu estava que não estava ao seu lado. E lembro que um dia você me falou que o seu caminho era eu e que eu estava em todos os seus planos e todas as suas decisões. Queria saber onde eu estava enquanto você estava em outras camas, com outras mulheres. Logo você, que daria tudo por um sorriso meu, está me fazendo chorar.

Não é pela traição, entende? É por tudo que ela significa. Eu sei que você não esbarrou por aí com alguém, sei que não foi algo que aconteceu, por ironia do acaso. Sei que não foi por impulso. Não foi. Eu sei que você foi atrás e que foi atrás de novo. De uma mulher, de outra e depois outra. E até da mesma. E não era eu. Eu sempre quis te ver todos os dias, mas não dava. Horários, responsabilidades. Mas me sentia feliz e completa sabendo que você estaria ao meu lado na primeira oportunidade.

Já me questionei algumas vezes se era mesmo com você que eu queria viver todos os dias da minha vida. Pela diferença de idade, pelos horários malucos... Mas sempre foi. E agora? O que sobra? Você destruiu os meus sonhos, que eu acreditava serem os mesmos que os seus... Não entendo como você conseguiu viver vidas paralelas durante os dias corridos da semana e me olhar nos olhos no final de semana e deitar no meu colo sem sentir a cabeça pesando toneladas. Não entendo como você conseguia falar comigo ao telefone no caminho do encontro com outra pessoa. Fico imaginando se era culpa o que você sentia quando me escreveu de forma apaixonada depois de cada um daqueles encontros. Mas não importa mais. Não quero mais entender. Sentir já basta.

É difícil dizer isso, mas não desejo mais continuar ao seu lado. Você poderia ter saído da minha vida com dignidade, independente de todo sofrimento, culpa e mágoa que eu sentiria caso terminássemos. Eu iria aprender a viver sem você, mesmo que você seja um dos grandes amores da minha vida. E é isso que me resta agora. Aprender a viver sem você. Na ausência dos sonhos que construímos juntos. Nunca implorei para você estar ao meu lado, nunca pedi declarações apaixonadas. Eu acreditava na nossa cumplicidade... Mas não me peça pra ficar.

Não é fácil me despedir. Mas tudo que eu acreditava ser profundo, se mostrou superficial demais. Palavras jogadas ao vento, frases bonitas e palavras cuidadosamente escolhidas. Ausentes de significado. Preferia que você escrevesse sempre o mesmo bilhete, com as mesmas três palavras e realmente as sentisse. Tantos textos com tantas linhas se resumem a um verbo, agora: acabou.

Obrigada pelos momentos que passamos juntos, foram realmente felizes. Mas, sinceramente, não sei se acredito conseguir sentir tudo aquilo de novo. Não com você.

Adeus. Desejo a você uma vida linda, seja ela como for.

Não, eu não sou essa aí do texto de cima. Mas resolvi brincar de ser outra, de pensar o que eu sentiria em determinada situação. Meu objetivo não é o de julgar, apontar o dedo. Não tive essa pretensão. Conheço alguns casais com relacionamentos-modelo que admiro e resolvi escrever como quem vê o castelo de areia desabando, de dentro dele. Não por não acreditar que castelos existam. Mas por saber que muito daquilo que me parece sólido e eterno pode não ser nada! E sobreviva sustentado por um fio... Que muito do que é cuidadosamente desenhado e mostrado, é oco.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

O sonho

Antes de dormir, fiquei lembrando da expressão séria dele, concentrado no jogo. Ele tinha acabado de me ensinar xadrez e eu ria jogando. Me senti criança, descobrindo um jogo novo. Fiquei lembrando da expressão dele, do que eu via enquanto ele olhava pro tabuleiro. Não sei se ele percebeu que eu o olhava, mas eu gosto de imaginar que não. Em alguns momentos fiquei com vontade de bagunçar todo o tabuleiro para me aproximar e roubar um beijo. Ele estava concentrado, então, mudei de ideia.

Naquela noite conversamos de novo sobre nós - ou melhor, sobre cada um - e me senti ainda mais transparente. Nos conhecemos a pouco tempo e sinto que ele já sabe tanto... Tudo bem, eu sempre fui de falar sobre a minha vida e minhas questões com qualquer pessoa, não seria diferente com ele... É, é diferente com ele. Ele sabe sobre os meus questionamentos mais recentes, que nada mais são do que os passados transformados. Ele conversa com os meus olhos e até já me viu com nó na garganta. Ele até me falou coisas sem sentido que, eu mesma, vi todo o sentido do mundo e me emocionei.

"Você está na iminência de muitas coisas importantes acontecerem, de uma mudança muito grande, eu sinto isso". Foi mais ou menos isso que ele disse. E eu também sinto isso. Poucas pessoas se atrevem a dizer isso sem sentir. E não foi o caso dele.

Dormi com aquelas lembranças. E sonhei. Foi um sonho que mais pareceu realidade. Uma continuação de sensações, sentimentos e acontecimentos. Não havia fadas, nem fatos estranhos, sem pé nem cabeça, que costumo ter nos meus sonhos. Foi como um filme, sem enredo criativo. Mas foi tão colorido, tão gostoso.

Ele estava sentado na minha cama, agora de costas pra mim, sem roupa, do jeito que terminamos aquele jogo de xadrez. Eu desenhava com os dedos, em suas costas, enquanto ele contava uma história de infância ou da época da faculdade, em que somos meio adultos mas não nos comportamos como tal. Sabe, ele conta histórias como ninguém, mas ele não gesticula! Não, nenhum problema em não gesticular, mas lembrei que eu mesma gesticulo um pouco. Fiquei pensando o quanto ele é controlado na vida dele. Eu sou completamente impulsiva. Ele mesmo reconheceu isso em mim em menos de dez minutos de conversa. Ele falou que também era, mas não sei... Acredito que ele acelere a vida só até o momento em que ele mantém o controle... E ele sabe manter o controle de si. E eu? Eu não sei. Eu quero acreditar que sim, mas toda vez eu me perco e só percebo depois.

No sonho, ficávamos ali um tempo, eu desenhando nas costas dele e ele contando histórias. Depois eu fazia uma massagem devagar, sentia todas as preocupações dele nas minhas mãos, até soltar os nós. Ele já deixava de ter a expressão séria e, em alguns momentos sentia cócegas. Ria. E ele tem uma risada deliciosa. Pessoalmente e também no sonho. Eu já o sentia ali, sem culpa, sem peso algum disfarçado. Sentia-o inteiro... É, no meu sonho ele era inteiro...

Depois ficamos de barriga pra cima, olhando pro teto, conversando um com o outro. Nos espiávamos de rabo de olho. No sonho, falamos mais do que falamos durante um mês, mas quase não lembro dos diálogos. Lembro das cores, vivas. Lembro do som da respiração, das risadas. Lembro do brilho dos olhos e lembro de sentir o medo e a culpa evaporando. Os meus e os dele. Quase lembro do cheiro e de sentir meus pés gelados naquele sonho.

Sonho, às vezes, é mais real do que a realidade... Queria sonhar acordada, agora.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Na terapia

Mais uma vez fui pra sessão sem ter a menor ideia do que eu iria falar e quais sentimentos iriam voltar à tona naquela uma hora. Como sempre, comecei contando sobre o que aconteceu durante a semana passada: o fechamento da viagem; a ida pra Alphaville para tirar o passaporte, dando tudo certo; a noite que eu quebrei o aparelho dos dentes de tanto que eu forcei um dente contra o outro, seguido do desespero de imaginar que eu teria quebrado um dente; a demissão da minha faxineira que fez eu me sentir malvada. Enfim, todos os fatos da semana que, de uma forma ou outra, tiraram meu sono e meu chão, mesmo que de forma leve. Continuei falando sobre fatos, chegando devagar ao que realmente me incomoda hoje: meu vazio.

Fui almoçar com uma amiga querida no sábado. Sempre nos vemos, sempre conversamos bastante sobre nós mesmas. É uma daquelas amigas que te conhecem do avesso, sabe onde ficam suas feridas e te ajuda a entender mais sobre si mesma na medida em que fala mais sobre si mesma. Temos visões parecidas sobre diversos aspectos da vida e, sobre aqueles que diferem, sempre escutamos a outra e acompanhamos o raciocínio. Dividimos histórias e compartilhamos vidas. Aprendemos juntas, com cumplicidade, e sempre oferecemos o nosso melhor à outra. Todas as vezes que nos encontramos falamos sobre a vida alheia, não no sentido de fazer fofoca e atualizar acontecimentos. Mas sim no sentido de ampliar nossa referência de vivências muitas vezes distintas às nossas próprias. Invariavelmente, falamos sobre nós mesmas mais do que qualquer coisa. E sempre repetimos o mesmo assunto, adorado pela maioria das mulheres: os relacionamentos.

Desta vez, nenhuma de nós duas estamos namorando. Não estamos trocando os pés pelas mãos. Não conhecemos ninguém minimamente importante nos últimos meses que nos mostrasse algo que não conhecêssemos sobre nós mesmas. Quer dizer, até conhecemos, mas ainda não foi suficiente para que continuássemos acompanhadas por eles. Durante aquela tarde de sábado lembramos daqueles dois anos vivendo em Porto Alegre. Rimos da forma com que nos apaixonávamos, da nossa forma de sofrer e de quantas tardes frias de domingo passamos acompanhadas de uma caixa de lenço ou mesmo acompanhadas uma da outra, bebendo vinho e repetindo as mesmas histórias, muitas vezes com personagens diferentes, no meio de raiva, lágrimas e procurando explicações. Aprendemos não só o valor do sofrimento mas o valor da amizade. Aprendemos a cultivar paciência, a escutar e a se colocar no lugar. E rimos, lembrando de como mudamos, e temos uma estranha certeza que, hoje, lidaríamos de forma mais leve com tudo aquilo. Na verdade, não acontece mais. Não existe mais espaço.

E foi mais ou menos acompanhando o ritmo do meu almoço de sábado que se desenrolou a sessão de terapia. É incrível como desenvolvi essa minha mania de começar pelo superficial e ir, devagarinho, como quem não quer nada, experimentando o que eu encontro além da superfície. Contei àquela mulher de expressão calma e olhar tranquilo o quanto me sinto bem, sozinha. Hoje, estar sozinha não me traz aquela sensação de angústia, quase desespero. Não faço mais questão de sempre ter alguém pra pensar, mesmo que fosse para sofrer. Não me vejo mais naquelas tardes frias de domingo dando voltas em círculo tentando entender por que o fulaninho fez ou deixou de fazer algo ou simplesmente sumiu da minha vida. Mas contei a ela que não faço questão de ficar sozinha. Mesmo bem, não quero continuar assim. Não sinto que estar sozinha é uma forma de evitar sofrimento, de fugir da frustração que acompanham amores com prazo de validade vencido. Não é medo. Não é uma tentativa de encontrar paz evitando a vida. É um vazio, triste e cinza. Conformado. Mesmo querendo acreditar que amores são sempre possíveis.

Mas quando ainda se quer acreditar é porque ainda não se acredita. E foi sobre isso que continuei contando a ela, entre lágrimas de transbordamento, que eu sei o quanto é possível ser feliz ao lado de alguém. Consigo dar exemplos infindáveis de relacionamentos que dão certo, de amores mútuos e compartilhados. Assumi a minha inveja de textos lidos durante a semana de homens apaixonados, amantes das suas namoradas. Homens que desejam ser pais, construir família. Comecei a pensar até que ponto eu sou responsável para que eu não viva isso. Do por quê eu não me deparo com esses homens na minha vida, que sintam isso comigo. Não acredito mais que esses homens não existam. Eles existem, aos montes. Mesmo porque muitos daqueles que passaram pela minha vida vivem ou viveram isso com outra pessoa que não eu. Depois, passou pela minha cabeça que eu faço questão das coisas darem errado. Que antes de qualquer relacionamento dar certo, eu vou lá e jogo areia, dou um jeito de estragar. Mas não acho que hoje esse ainda seja o caso. Já fiz muito isso, mas não mais. Não tenho mais medo das coisas darem certo e já me permito. Também pensei que eu pudesse ser daquelas que só quer o impossível, aquilo que não está ao meu alcance e lembrei que já não tenho mais 15 anos, quando eu sonhava com príncipes encantados. Talvez, agora, não exista mais nada de errado. Nem comigo, nem com eles.

Só sobrou o vazio. Me sinto em paz, mas me sinto oca. Escutando o eco do silêncio. Não me desespero. Choro. Um choro sem soluços, só lágrimas escorrendo devagar pelo rosto. Lágrimas que consolam e transbordam. Transbordam vazio...

Lembrei que tinha alguém me escutando quando ela começou a falar. Ela nunca se incomoda de eu chorar, mesmo nos dias que eu soluço e preciso de alguns minutos para desatar o nó da garganta. Foi uma sessão sem nós, sem angústias, sem sofrimentos exacerbados. E, com aquela expressão calma, de quem mantém certezas sobre mim que até eu mesma desconheço, ela me perguntou, depois de tudo que eu falei, o que eu pensava ser o meu problema. A primeira coisa que me passou pela cabeça foi: "essa infeliz não escutou uma palavra do que eu falei". Depois veio a confusão, de quem tenta pensar rápido e resumir sentimentos. E resumir sentimentos nunca foi meu forte. Antes de eu falar uma palavra, ela falou: "eu te sinto descrente. Não como quem não acredita que não existam certas coisas, mas como quem não acredita que não existam certas coisas pra você, com você. Você não parece acreditar que você possa viver certos momentos; não enxerga a possibilidade para você. Você se imagina vivendo e sentindo tudo o que te deixou triste essa semana, vendo pela janela, achando tão bonito? Desejou pra você?"

E tudo fez sentido. A paz, a tristeza, o vazio e a inveja. A descrença. A ausência de explicações e do medo que paralisa. A vontade de preencher o espaço que existe com vontades e possibilidades, antes de qualquer coisa.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

(Não) traição

Fui dormir com uma estranha sensação de que eu pudesse acordar no outro dia e me arrepender do que eu não tinha feito. Quem nunca escutou a frase "é melhor se arrepender daquilo que você fez"? Eu sempre vivi mais ou menos assim, escutando meu coração e agindo por impulso. Naquela noite não. Tinha recebido um convite tentador e neguei. Não foi pela falta de vontade. Como eu queria estar nos braços dele de novo! Não fui pra tentar evitar sofrimento. Mais ainda: não fui porque queria bem mais do que aquele homem podia me oferecer e já deixou de ser justo comigo mesma aceitar menos do que eu quero. Até porque não quero nada vindo de outra dimensão nem nada próximo da perfeição. Mas não me sinto mais à vontade de dividir a cama com quem não possa me oferecer o coração. E o coração dele já está ocupado.

Nunca fui aquela que jogou pedra em quem traía. Eu mesma já traí. E muitas vezes ajudei a trair. Já estive em todos os lados de um relacionamento quando o assunto é traição. E em todas as vezes, em cada uma dessas situações, algum momento foi muito bom. Já traí, já fui traída e já fui amante.

A primeira vez que eu traí eu namorava a algum tempo. Meu namoro estava sem graça, eu era nova e estava viajando. Beijei um cara numa balada e foi horrível. Não existia a menor afinidade, eu me senti culpada e aquilo não significou nada pra mim. Voltei em dois dias pra cidade que eu morava e pro meu namorado, que nunca ficou sabendo da história. Ele só achou que alguns dias longe fizeram bem pra gente e eu estava muito mais carinhosa com ele. Bem típico! A segunda e última vez que eu traí eu estava namorando por carência. Tinha cansado de ficar sozinha, queria alguém pra estar do meu lado que me entendesse, pra passear de mãos dadas. Estávamos em um bar e eu beijei um cara que me paquerou a noite inteira no corredor do banheiro. Ele também nunca ficou sabendo mas acabei terminando o namoro porque aquele cara me mostrou que eu fui tão baixa que meu namorado em questão não merecia passar por isso, mesmo que não soubesse. Se eu realmente gostasse dele, não teria assumido tal risco. Percebi, traindo, o quanto meu namoro não tinha futuro. Não foi por pena nem por auto-punição que terminei o namoro. Foi só por ter enxergado além.

Já fui traída e perdoei. Passei por cima, relevei. Não fez a menor importância, pra mim, na época, saber que o meu namorado tinha ido pra cama com outra. Foi difícil perdoá-lo mas foi mais difícil me perdoar por tê-lo perdoado. A vida seguiu, continuamos juntos mais algum tempo e o namoro terminou por outras milhares de questões que não partiram da traição. Não aconteceu só uma vez, com uma única pessoa. Mas não foi diferente em nenhum caso.

Mas o que mais aconteceu foi eu estar no lugar de amante. E eu sempre repeti que não tenho vocação pro cargo. E não tenho mesmo! A primeira vez eu estava com um cara a algum tempo. Eu pensava que ele tinha terminado o relacionamento de alguns anos a um tempo e eu descobri, por acaso, que a ex-namorada era, na verdade, namorada atual, quase noiva. Meu chão sumiu. Me senti mal, culpada e vagabunda. Até chegar na terapia em prantos e a minha psicóloga disse: o namoro dele é problema dele. Você está solteira e ele está com você porque ele quer. Agora, se você quer continuar com ele mesmo você tendo consciência disso, isso é problema seu. Se você tem estrutura emocional para manter isso, siga em frente. Eu segui, sozinha. Não consegui levar adiante aquilo, não por moralismo ou por achar que o que ele estava fazendo era errado. Mas sim porque eu queria alguém inteiro do meu lado e isso ele não poderia me dar.

Outra vez, entrei no papel de amante sabendo de tudo que estava acontecendo. Era um namoro falido. Ele estava se sentindo traído (porque tinha sido mesmo!), mas não tinha coragem de terminar. Ele ainda gostava dela mas não conseguia perdoá-la. Como uma forma de aliviar a culpa que ele sentia em estar com alguém que não poderia perdoar e se sentir traído, resolveu fazer igual. Com o tempo, percebi como eu salvei e mantive em pé o namoro dele. Passávamos a semana juntos, nos víamos quase todos os dias. Ele dizia que ia pro poker com os amigos e acabava na minha cama. Ele não conseguia terminar o namoro nem tampouco parar de me encontrar. Resolvi dar um basta na história e me afastei. Em menos de um mês depois, o namoro dele terminou. Chegamos a nos encontrar de novo mas não foi a mesma coisa. E nunca mais seria.

A última vez que fui a amante foi a bem pouco tempo atrás. Foi tudo muito rápido e dessa vez eu não sabia nada do relacionamento em questão. Não quis, não perguntei. Mas depois que aconteceu, me flagrei imaginando qual seria a motivação dele. Porque sempre existe aquilo que nos leva a fazer o que fazemos. Pode ser por impulso, por paixão. Ainda assim deve ter algo que nos move. Pelo pouco que eu soube - juntando pedaços, textos e comentários soltos - não consegui identificar qualquer tipo de problema. Mas eu não tinha nada que entender por que raios ele não estava com a namorada dele. Talvez eu devesse me preocupar só com o fato dele estar comigo. Não me senti mal - como muitas mulheres levantam pedras para jogar - de fazer com ela o que eu não gostaria que fizessem comigo. Sempre escutei esse discurso barato entortando um pouco a boca e não palpitando sobre o assunto. A responsabilidade era dele, não minha. Eu estava com o meu coração vazio e em paz e sabia exatamente onde eu estava pisando. Sabia que não tinha o menor direito de esperar algo dele além de uma aventura. Muito menos de julgá-lo.

Aliás, eu não julgo nada nem ninguém. Não tenho esse direito a partir do momento em que eu sei exatamente o cenário antes de entrar nele. Não acho que ninguém pode falar em culpa quando se fala em traição. Eu tenho um amigo - casado, aliás - que diz que casos extra-conjugais não interferem no sentimento que temos por aquela pessoa que escolhemos dividir a vida. E ele não fala só por ele, fala pela esposa também. Diz que pode acontecer de existir atração por outras pessoas, até de acontecer algo mais. Mas isso não exclui o sentimento que essas duas pessoas, com escolhas compartilhadas, sentem uma pela outra. Não é cama, nem sexo, nem aventura que vai acabar com o relacionamento dele. E eu concordo. Antes eu não entendia muito, achava graça e taxava de discurso de homem pervertido. Mas confesso que minhas vivências me fizeram entender bem do que ele fala.

E ontem, antes de dormir, eu disse um não. Resolvi não agir de forma passional e impulsiva e me questionei por isso. Por agir diferente do que eu sou. Porque não me maltrato mais por ser passional e impulsiva. Me perguntei: se eu não julgo e não acho errado e sei que isso é um problema do outro, por que raios eu não fui encontrar um cara legal, divertido e que eu gostei de conhecer? Pois é. Acho que tem muito menos a ver com julgamento e valores. Acho que talvez esteja relacionado ao meu momento de vida, ao que eu realmente quero, ao que realmente faz diferença na minha vida hoje.

Não julgo e nem pretendo entender as motivações do outro. Tanto faz se foi por confusão, vingança ou simplesmente aventura que esses homens traíram. Mas hoje sei muito mais sobre mim. Não que eu pense que aventura não seja bom. Só quero, hoje, significar mais do que isso pra alguém. Traições continuarão a acontecer. Aventuras continuarão sendo boas e melhores ainda quando fizerem sentido. Mas hoje, não me arrependi de ter ido dormir sozinha, sem nenhuma história mirabolante pra contar.