sábado, 5 de junho de 2010
Das pequenas surpresas da vida
Estou em Toronto há quase dois meses. Tenho mais um mês pela frente. Eu não sei direito porque eu resolvi vir. Não sei direito como vou voltar. E não passei uma semana só aqui sabendo o que seria da minha vida no outro dia. Todas as vezes que fiz planos para as próximas 24 horas, eles mudaram.
Comecei a pensar se minha vida inteira tinha sido assim. Porque, se por um lado é bom viver de forma espontânea, mudando sempre de escolhas, por outro não deixa de ser uma vida sem propósito, recheada de planos frustrados. Porque de que adianta fazer planos se o objetivo não é cumprí-los? Fiquei pensando como é que foi que eu cheguei nesse ponto. Meu maior sofrimento na vida sempre veio por eu me cobrar demais, por me maltratar buscando ser mais do que eu era, melhor do que eu podia. Eu era aquele chefe austero, com prazos impossíveis, metas inatingíveis e que ainda diz que só não consegue cumprir o que foi proposto por muita incompetência. E eu sempre fui chefe de mim mesma!
Não sei quando abri mão de ser assim. Não sei se foi a idade ou se foi quando percebi que minha vida não ia ser pior se eu deixasse de fazer isso comigo mesma. Achava que valores não mudavam quase nunca. Pura bobagem! A gente abre mão de muita coisa, até do que a gente é, quando começamos a prestar atenção nos detalhes e que coisas grandes são, no fundo, pesadas demais pra se carregar por aí! Nada é grande demais que não possa ser deixado pra trás, cortado pela metade, pintado de rosa choque ou verde bandeira. A gente sempre acha que não, que imagina sair por aí abrindo mão de coisa importante na vida! E esquece que importante mesmo é conseguir sorrir no meio de lágrimas. Ser feliz ou sofrer, não importa. Desde que se mantenha a leveza e a brevidade da vida.
Quase dois meses aqui e os meus melhores dias foram aqueles que saí andando por aí, a pé, muitas vezes só com aquilo que os meus bolsos da calça podiam abrigar. Sem bolsa, sem maquiagem, sem salto alto. Um dia de sol lá fora e sem amarras. Para que pensamentos e sentimentos pudessem chegar e sumir com o vento, com a brisa, com a paisagem mudando com os passos. Acabei me surpreendendo com a vida e comigo mesma nessas tardes com sol e sem destino. Tardes longas no parque, com surpresas delicadas. Sorrisos sinceros de crianças que brincavam pelo caminho, uma feira de artes com artistas desconhecidos lembrando Embu das Artes, dar de cara com o Lake Ontario sem esperar por isso, deitar na areia, na beira da água, com a calça dobrada até o joelho para molhar os pés.
Das pequenas surpresas foram feitos a maior parte dos meus dias. Não acho que seja questão de ter mais tempo, só mais disposição. De viver cada coisa, cada momento, inteiro, enquanto ele estiver passando. Tem gente que quando está sol, quer que chova. E quando está chovendo, reclama que quase nunca faz sol lá fora. Tem gente que mora em São Paulo e queria estar em Minas Gerais e gente que mora em apartamento quer ir morar numa casa com quintal. Mas se tivesse um quintal ia reclamar que quintal só dá trabalho. Eu ando achando que não importa onde se está desde que você permita que a vida continue te surpreendendo. Com a chuva, com olhares, cheiros e vozes. Sorrisos de desconhecidos, detalhes desenhados na areia, flores desabrochando em jardins desconhecidos.
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Muito bonito o texto, Mari. Que consigamos dar mais valor às pequenas coisas, praticando "a arte de sorrir cada vez que a vida diz Não".
ResponderExcluirAh, e parabéns atrasado! Vi no Orkut mas esqueci de deixar o recado. :)
Um abraço.
Do seu leitor carioca assíduo,
Diogo.
Oi Diogo!
ResponderExcluirMuuuuito obrigada! Bom saber que vc está sempre por aqui! E obrigada pelos parabéns! :)
Beijos!
Como sempre e sem duvidas de que sempre sera assim, o texto esta perfeito!Continuo uma leitora assidua!
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