sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Para Gustavo

Cansei de sentir saudades suas. Cansei de viver acreditando naquilo que você só fala e repete nas espaçadas vezes que nos encontramos quando você vem para São Paulo a trabalho. Sempre acreditei naquela frase: "quem disse que pra estar junto precisa estar perto?" Pensava que era possível estar com você mesmo longe, mesmo chovendo em São Paulo e fazendo sol em Brasília. Mesmo que não dividíssemos o termômetro, a cidade e a rotina.

A última vez que nos vimos, senti saudades. Conversamos olhando nos olhos, deixamos a mágoa de anos atrás pra trás. Quis sair de casa pra te ver assim que cheguei. Não fui. Não por pensar que não valeria a pena passar o resto da noite ao seu lado, nos seus braços. Mas por pensar, mais uma vez, que seria possível ficarmos juntos sem que o tempo e a distância fossem capazes de minguar o que dissemos sentir um pelo outro ao telefone.

Senti saudades das noites felizes que tivemos um dia. Em que eu me entregava a você numa dança, tocando uma música qualquer, seja lá onde estivéssemos na saudosa Cidade Baixa, em algum bar apertado, cheio de gente estranha. Saudades de quando você me bastava... Senti saudades do que eu sentia quando eu me soltava nos seus braços ou ficava sentada ao seu lado, nas diversas vezes que esquecemos das horas e das normas e fechamos bares e restaurantes. Impossível não lembrar da gente junto quando vejo um bar já com as cadeiras pra cima e você insiste em não estar do meu lado... Senti saudades das vezes que perdemos juntos as horas e o juízo. Senti saudades das conversas sobre impressões que tínhamos sobre nós mesmos, sobre os outros e sobre o que os outros tinham de nós.

Mas do que mais senti saudades foi do que eu sentia quando estava do seu lado. Eu não tinha medo de que algo de errado pudesse acontecer comigo porque seus olhos sempre me deram a segurança que eu não sentia sozinha. Senti saudades de quando eu não me preocupava com nada porque tinha a única certeza que você não deixaria eu ficar triste e sentir solidão. Saudades de sentir que tinha encontrado alguém que me faria feliz pro resto da minha vida.

Muitas vezes me pego pensando nisso. Imagino nós dois juntos e percebo o quanto temos de afinidade e carinho um pelo outro. O quanto gostamos das mesmas coisas, o quanto temos de valores em comum. Meus olhos enchem de lágrima prestes a transbordar raiva e inconformismo quando lembro do quanto você me conhece, diz sentir tudo o que sente e, mesmo assim, não saímos do lugar. Me pergunto por que você teve coragem de me desvendar e, ainda assim, não tem coragem de tentar, mesmo dizendo querer tanto. Não consigo mais acreditar em palavras. Não só nelas. Difícil escutar com os ouvidos quando meu coração começa devagar a bater mais fraco. Fico pensando se já me vesti do avesso com outro alguém além de você e acredito que não... E aí, dói mais um pouquinho.

Hoje acordei com vontade de continuar dormindo. Foi um daqueles dias azedos. Senti um incômodo e um vazio que me sufocaram o dia todo. Queria você junto comigo, mesmo longe. Uma ligação, um e-mail. Queria saber que você pensava em mim em algum minuto desse meu dia cinza. Queria falar sobre os meus planos e os meus medos. Queria você pra me abrir os olhos. Mas já faz muitos dias que não sei nada sobre você. Já me faltam argumentos mesmo tolos pra alimentar toda a saudade que eu sinto. Parece bobo, eu sei. Eu aqui dizendo que tenho vontade de saber se você acordou com dor de dente ou de ressaca pra poder te imaginar com mais cores. Mas é assim que eu sinto. Quase não lembro dos seus olhos e meu coração já não acelera mais quando penso em você.

Queria que a minha memória não começasse a desbotar assim. Mas minhas cores foram se perdendo por aí, com a falta de notícias e de sentimentos recíprocos. Não sei fazer sozinha e não quero imaginar uma vida a dois de mão única. Mesmo não querendo, cansei de sentir saudades. Minhas lembranças não me bastam mais. Palavras ditas meses atrás estão com o prazo de validade vencido.

Seria mais fácil dizer que me apaixonei de novo, mas eu estaria mentindo. Não existe ninguém novo (nem velho, nem recorrente) na minha vida. Não estou na fase que quero curtir a vida, sair para beijar outras bocas e experimentar outros corpos porque você está longe. Não se trata disso. Não existe nada ocupando espaço por aqui. Não existem barreiras. E, mesmo assim, você continua longe. Não acho que se trata de tempo, nem de distância e nem só de notícias.

Da última vez conversamos sobre pessoas em relacionamentos que estão em momentos de vida diferentes. Não falávamos de nós dois. Talvez de cada um de nós com experiências diferentes, do tempo em que estivemos separados e nem lembrávamos da existência um do outro. Mas não acho que se trate disso. Pelo menos não acho que deveria se tratar. Penso que, independente de qualquer condição, localização e ocupação, deveria ser possível estar junto quando existe desejo e vontade. E acho que cansei também de acreditar que isso fosse recíproco.

E agora, não existe mais saudades nem desculpas. Nem culpa. Quis tanto que talvez você nem imagine. (Nunca estivemos verdadeiramente juntos para você perceber!). Voltei a caminhar sozinha e já não me imagino ao seu lado. Eu não queria, mas não se trata de querer. Só sinto. E sinto muito. Espero que você guarde boas lembranças do que passamos juntos e que consiga, um dia, fazer alguém feliz como eu me imaginei sendo ao seu lado... Talvez você não queira, não sinta. Mas não quero pensar nessa possibilidade. Talvez seja mais fácil mesmo se despedir a distância, em silêncio, quando todos dormem. Por uma carta aberta, que é pra eu não ter certeza que você leu e concorda com ela.

sábado, 23 de janeiro de 2010

Às claras

Eu enrolei não sei quanto tempo para escrever este texto. Me pegava pensando: preciso escrever sobre como tudo aconteceu pra organizar a minha vida, que eu fiz questão de bagunçar exatamente quando ela estava toda arrumadinha. Cartesiana. E resolvi escrevê-lo só agora, depois de ter bagunçado tudo e começado a arrumar.

Quem me conhece sabe que eu consigo ser metódica e racional ao mesmo tempo que ajo de forma impulsiva e louca. Não, eu não sou bipolar e nem sofro de dupla personalidade. Mas oscilar entre polos é a forma que eu encontrei de ser feliz e viver fora do tédio.

Pois bem, adiei este texto, hoje percebo, por medo de não conseguir lidar com o que eu pudesse descobrir no meio das linhas, organizando o que eu ainda precisava manter bagunçado por mais algum tempo.

Abril de 2009. Eu já estava em São Paulo há quase dois anos, já havia trocado de emprego uma vez. Estava trabalhando no lugar que sempre me imaginei trabalhando, fazendo algo que eu já havia feito e que gostava e, além de tudo, tinha acabado de descobrir o quanto eu amava dar aulas. Tinha um bom salário, minha casa já estava mobiliada, meu carro pago, meu mestrado concluído. Eu só não tinha um namorado porque, bem... sei lá, porque sempre fui incompetente pra isso e, depois de aceitar a minha limitação, parei de me desesperar já que não adiantava nada mesmo. Quem olhava de fora provavelmente pensava: nossa, como ela é feliz com a sua vida certinha e bem sucedida.

Estranho, mas eu também tinha esta impressão sobre mim e, vira e mexe, me sentia culpada por sentir um vazio que eu não fazia a menor ideia de onde vinha. Comecei a ter crises compulsivas de diversas coisas. Certos dias eu chorava compulsivamente, mesmo no trabalho, no meio de milhares de e-mails e telefonemas que preenchiam os meus dias. Aí, nos finais de semana eu tinha crises compulsivas de compras (sendo que eu nunca fui consumista na minha vida!). Certas tardes e noites eu comia chocolate compulsivamente e, em outros, eu dormia por muitas horas seguidas. Não precisava ser nenhum gênio da psicanálise para perceber que eu estava fugindo. Eu só não sabia do quê.

Era a minha vida profissional que não andava bem, isso era claro. Quase não existia vida pessoal já que eu nem um namorado tinha para ter crises de relacionamento e sentar pra discutir a relação. Também era bastante claro pra mim que eu não me encaixava naquilo que administradores e profissionais de recursos humanos adoram dizer: nossos valores. Não da instituição, porque eu continuava gostando do lugar que eu trabalhava e me identificava bastante, mas nos valores da minha área, das pessoas que dividiam o dia a dia comigo e no que, de fato, minha área era responsável. Eu não gostava de visitar clientes da forma que eu visitava, eu não gostava de me sentir ultra responsável por certas coisas sendo que os méritos eram sempre divididos e os erros aumentados e jogados em cima de uma só pessoa: eu.

Eu sempre gostei de ser cobrada, de saber exatamente as minhas responsabilidades, de conhecer o começo-meio-e-fim. Muita gente não gosta, eu adoro. É simples: eu sou o tipo de pessoa que gosta de abraçar o mundo. Se ninguém diz exatamente qual o pedaço do mundo que eu preciso alcançar com os braços, eu vou querer abraçar o mundo inteiro. Em outras palavras, se eu não sei qual é exatamente a minha função e tudo o que eu tenho que fazer, além do que é função das outras pessoas fazerem, eu vou querer fazer tudo e pensar que a responsabilidade é minha. Simplificando: muitas vezes eu fazia o meu trabalho e de mais meia dúzia de pessoas e sempre achava que era o meu dever dar conta de tudo. Eu andava exausta, eu dormia ou trabalhava nos finais de semana até o dia em que, num dos telefonemas da minha mãe, ela respira fundo e diz: minha filha, você está vivendo pra trabalhar. Você deveria pensar em trabalhar pra viver.

Chorei mais três dias seguidos depois disso. Comecei a pensar que ela também trabalhava demais mas havia uma diferença. Ela adorava o que ela fazia, via sentido no trabalho dela, ela não compartilhava do mesmo vazio que o meu. Comecei a me sentir ainda mais culpada pelo que eu estava fazendo da minha vida e, dessa vez, com razão. Só eu era responsável pelo que estava acontecendo. Depois desses dias, imaginava como seria largar tudo, ou pelo menos boa parte: eu ainda amava dar aulas.

Só de imaginar, me sentia derrotada, fraca, incapaz de lidar com a realidade. Sabia que em qualquer empresa as coisas não aconteceriam de forma muito diferente. Também comecei a me perguntar se, de alguma forma, largar tudo, chutar o balde, não seria auto-boicote. Agora que a minha vida estava exatamente da forma que eu imaginei, eu não queria, não me sentia merecedora de ter a vida que eu busquei. Mas não, não era isso. A parte do auto-boicote sempre aconteceu só na minha vida de relacionamentos frustrados e superficiais. Eu não me permitia ser feliz ao lado de alguém e ponto. Não transbordava mais pro resto da minha vida. Minhas barreiras tinham sido muito bem construídas.

Abril de 2009. Pedi demissão sem saber com o que a vida me esperava. Eu só fazia ideia que continuaria a dar aula nos próximos 6 meses. Tentaria aplicar pro doutorado para algumas universidades fora do Brasil, sem nenhuma certeza, para um curso que só começaria em setembro de 2010, caso eu fosse aceita. De metódica e racional, acordei do avesso e fui direto pro polo oposto: impulsiva e louca. Lúcida. Nunca tive tanta certeza na vida de que eu estava fazendo a coisa certa.

Vivi os meses seguintes com leveza e incertezas. Há quem pense que eu estava vivendo uma vida de forma desacelerada, com bastante tempo para não fazer nada e pensar na vida. Mas eu gosto mesmo é de fazer milhares de coisas ao mesmo tempo e foi assim que aconteceu. Eu estava estudando para as provas pedidas para o processo do doutorado, estava dando aulas, estudei várias coisas que eu sempre tive vontade e nunca tive tempo, voltei a encontrar os meus amigos, vi mais meus pais, me apaixonei e quebrei a cara de novo. Uma perspectiva diferente de viver que a maioria das pessoas têm. As pessoas me encontravam e diziam: nossa, como você está bem? Como você parece feliz? Escutava tudo aquilo e pensava: será que não é normal as pessoas parecerem felizes e estarem bem? Ou será que as pessoas acham que para você se sentir completa você precisa trabalhar 12 horas por dia?

É, penso que deve ser a segunda opção. As pessoas não estão muito acostumadas a se permitir ter tempo para elas, não suportam a possibilidade de enxergar a vida de uma perspectiva diferente do que sempre enxergou, em fazer coisas que dão prazer ao invés de fazer só o que dá dinheiro. Claro que dinheiro é importante, eu sou economista e não negaria isso nunca! Mas não dá pra abrir mão de certas coisas na vida por dinheiro. Tem economista que adora dizer que tudo tem seu preço. Concordo mas, como tudo na vida, há exceções. O que seriam das regras sem elas?

2009 terminou arrastado. Viver só de amor no coração e leveza não é assim tão fácil. É difícil lidar com a liberdade. Ainda mais quando você é obrigado a dar de cara todo dia com a sua vida bagunçada, sem horário pra acordar, sem rotina pra seguir, sem metas para cumprir. Eu não poderia continuar no mesmo lugar que eu estava desde o chute do balde. Viver de incertezas é bom só até antes de que os momentos incertos se tornem certos. A única certeza que eu tinha na vida era que um dia eu vou morrer e que eu não sabia mais de nada além disso. Eu continuava sem planos, sem rumo e com todas as vontades do mundo. E não dá pra ter tudo ao mesmo tempo. Estava na hora de colocar minhas alternativas na mesa e fazer escolhas. E fazer escolhas não significa abrir mão da liberdade. Escolhas não como cobrança. Mas acho que a gente sempre sabe quando está preparado para dar um passo à frente (ou para trás, ou mesmo ficar parado!).

Ainda sem as respostas do doutorado, minha vida gritava por ordem. Não dava para esperar por setembro de 2010. Eu precisava de novos sonhos já que aquele de ter uma vidinha certinha com estabilidade financeira, casa, carro e emprego não tinha dado certo. Sonhar com novos amores nunca me levou pra lugar nenhum, eu bem sabia. Então, namorar, casar e ter filhos não era uma boa opção. Precisava de uma direção.

Esperei a ansiedade que tinha começado a me aprisionar ir embora e comecei a enxergar novos caminhos na minha frente. Caminhos que começaram a ser possíveis só depois de ter coragem de cortar certos vínculos e de abandonar realidades rígidas. Ainda faltam certezas mas já aprendi a viver sem elas. Saber para onde eu estou indo já me basta. Já é possível voltar a fazer barulho dentro do meu silêncio e querer o céu sem tirar os pés do chão. Sem muitos planos e muitas certezas, caminhos abertos, sem trilhos, me acalmam.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Breves amores

Às vezes vejo a minha vida como pedaços soltos, com lacunas - algumas grandes, outras pequenas, mas que incomodam - que faltam ser preenchidas. Não saio mais por aí procurando o que as criam. Não mais. Já aconteceu de eu querer muito entender, procurar as peças certas, forçar outras pra completar logo o quebra-cabeça e, sério, a experiência não foi das melhores.

Hoje só tento me manter lúcida e prestar atenção a tudo e a todos que aparecem na minha vida. Claro que nem sempre eu consigo. E é incrível como eu sou movida por pessoas. E muitas pessoas de bem aparecem na minha vida quando eu estou de bem comigo mesma. Não, não acredito naquela história do O Segredo de que coisas boas atraem coisas boas e é só pensar que vira realidade. Mas acredito que, quando eu estou bem, fico mais aberta para as coisas do mundo e tenho mais recursos para que coisas ruins não me afetem (tanto).

Semana passada foi uma semana sim. Ano começando e eu eufórica com as milhares de possibilidades e incertezas que recheiam a minha vida. Época de fechar ciclos, eu me despedindo de pessoas que já não fazem mais sentido, milhares de dúvidas e possibilidades que vão aparecendo devagarinho, ainda tímidas. O mundo aos berros e eu aqui, no meu silêncio, parada, observando. Sorrindo, começo a sentir aquela vontade do novo, do desconhecido. E o novo sempre chega para mostrar certas coisas que você evitou enxergar até então.

E geralmente é assim: pessoas novas aparecem e se metem onde eu tento me esconder. Elas quase nunca têm essa intenção. Nem sempre elas me descobrem, me desvelam. Mas quase sempre fazem isso por mim: me fazem enxergar tudo aquilo que eu tentava evitar saber sobre eu mesma. Deixo de me esconder e volto, devagar, a ser quem eu deixei de ser por medo.

Pessoas breves no tempo que ocupam na minha vida. Pessoas intensas, que trazem um caminhão de possibilidades inteiro, numa só noite. Pessoas que oferecem ombro e espelhos, que te imobilizam pelo pulso e te olham nos olhos e conversam com você em silêncio.

Semana passada foi uma semana assim. Conheci uma dessas pessoas. Alguém que me desorganizou completamente, mexeu com os meus sentidos. Tudo se tornou mais intenso: a forma de olhar, o cheiro, o jeito de sentir. Novas cores no meu mundo desbotado. Sabe aquela vontade de rir e chorar ao mesmo tempo? Talvez algo parecido com isso, só que de uma forma boa. Não era paixão, não era fantasia nem carência. Uma espécie de encantamento, de vontade de viver para experimentar possibilidades, mesmo que não fossem possíveis naquele momento. Talvez porque, do lado de lá, a intenção nunca tenha sido a de seduzir e, por isso mesmo acabei seduzida pelo natural, pelo começo-meio-e-fim que apresentava claramente as possibilidades (e a falta delas).

E tudo aconteceu na semana passada. Um encontro que mais se pareceu com um reconhecimento. Alguém que me lembrou o quanto é possível ter conversas interessantes misturadas com o desejo recíproco. Que me fez lembrar que é possível encontrar pessoas legais e parecidas com você por aí e que não importa o tempo que dure, desde que seja significativo. Alguém que resgatou a minha vontade de sorrir pra vida e que me mostrou de novo o quanto é bom uma conversa entre duas pessoas largada no sofá, de madrugada, nos braços um do outro. Alguém que me fez chorar de esperança e felicidade quando disse algo tão clichê como "é só questão de tempo, é fase, você vai ver".

Alguém que chegou rápido e foi embora mais rápido ainda. Mas que deixou meu coração animado com as possibilidades da vida. Alguém que me ensinou a andar de novo, de cabeça erguida, e ver o mundo através de outra perspectiva. Alguém que sabia que não é necessário se manter ao lado para ser lembrado pra sempre.

R.R, imagino que você não faça a mínima ideia do quanto você foi importante na minha vida, neste momento. O quanto me mostrou e me ajudou a encaixar certas peças do meu quebra-cabeça. Mas sim, você foi. E é engraçado dizer isso com o coração em paz, de quem não alimenta esperanças em vão e nem sonha viver uma vida ao seu lado. Foi intenso e gratificante, breve e sincero, como certas coisas devem ser. Você não imagina o quanto me fez sentir esperança e poder suspirar aliviada quando percebi que amores são sempre possíveis. Que estar verdadeiramente ao lado de alguém é só questão de tempo e, permanecer sozinha, é fase. Acho que eu já tinha desacreditado... Mas tenho certeza que certas pessoas não aparecem na minha vida em vão, assim como não vivem suas próprias vidas em vão. E você é uma delas. Algumas pessoas cruzam o nosso caminho e nos reconhece e também podemos nos reconhecer nelas. E talvez por isso você tenha sido tão significativo. Obrigada por ter deixado comigo muito mais do que você possa imaginar.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Primeiras Impressões

Não se conheciam. Só sabiam da existência um do outro. Também nunca haviam se visto. Começaram a se falar pela internet, num sábado morto, dia que provavelmente os dois estavam entediados demais, sozinhos demais. Era início de janeiro e ela ainda sentia que precisava se despedir de certas coisas do ano interior. Mas não era melancolia o que ela sentia. Era quase esperança de dias mais coloridos, uma quase vontade de tirar tudo dos lados, de não ter no que esbarrar e poder dançar sem música, sem espelhos, sem hora.

Dele, ela não sabia quase nada. Começou a imaginá-lo aos poucos e a desvendá-lo por alguns ângulos na medida que a conversa ia acontecendo. Enxergou semelhanças, procurou características em comum. Sorriu quando as encontrou mesmo sabendo que elas poderiam só existir na sua imaginação. Era isso que ela mais gostava: imaginar em como seria o jeito dele, quais seriam suas primeiras impressões quando se encontrassem.

Conversaram outras vezes na mesma semana. Mas era no silêncio das teclas que ela o tinha nítido nos seus pensamentos. Não era fantasia ainda. Ela já não sonhava acordada, não se permitia mais.

Escutaram a voz um do outro separados pela distância entre os bairros que moravam. Dormiram juntos mas não se abraçaram. Naquela noite, ela se encontrou com ele em sonho e o reconheceu na forma de sorrir pra ela. Sonhou com ele, não contou nada. Agora já imaginava seu gosto, seus olhos, suas mãos.

Teve medo, só não sabia bem do quê. Não, não era medo de sentir medo. Talvez fosse medo de colocar suas fantasias frente a frente com a realidade. Ela sabia pouco sobre ele, mas talvez já soubesse o suficiente. Sentiu medo da realidade, de como seria quando fosse. Preferia ainda o "se fosse", mas a urgência em vê-lo já começava a falar mais alto.

Ficaram dois dias sem se falar depois de terem escutado a voz um do outro. A distância permanecia enorme depois que se aproximaram pela primeira vez. Ela se desesperou algumas vezes neste tempo enquanto imaginava que talvez não fosse possível conhecê-lo, mesmo sabendo que ela mesma ainda era capaz de se surpreender consigo mesma. Pensou se seria possível realmente conhecer alguém sem se conhecer primeiro.

Ela ainda não saberia descrevê-lo. Só queria tê-lo ao lado. Seriam só primeiras impressões e, talvez, mesmo depois de muito tempo, permaneceriam como primeiras.

Se encontraram, enfim. Foram beijos e abraços quase desesperados. A voz dele era ainda mais bonita com a boca dele perto do ouvido dela. Sussurrada e sem fôlego. Uma voz que sorria em consonância com seus olhos. Se desvendaram no chão, se reconheceram nas conversas que separavam os beijos, se confundiram na cama.

Ela o olhou nos olhos. Era disso que ela precisava. Já conseguia confrontar as projeções feitas dias atrás com a realidade doce que estava bem a sua frente. Não precisou lidar com a frustração porque ele era quase o mesmo que ela havia imaginado. Agora com gosto, voz, toque, tudo ao mesmo tempo. Ela pensou em querer saber mais, mas ir além era difícil para ela. Estavam frente a frente, sem limites físicos. Preferiu calar perguntas e ansiedades que invadiam seus pensamentos e confundiam seus sentidos. Não queria sentir. Queria poder pensar e transformar tudo em equações matemáticas com respostas precisas. Agora tinha medo das respostas, de confirmar suas hipóteses feitas nas noites que pensou nele antes de se verem. Tentou sufocar a vontade de querer mais. Ainda existiam outros limites.

O querer mais existiu, mesmo abafado. Desejou segundas e terceiras primeiras impressões. Ela já sabia que só esta não bastaria antes mesmo de se concretizar. Mas calou. Sempre soube que gostava conhecer as pessoas além da superfície. Sabia quando o pouco era pouco e quis mais. Não pela impossibilidade, só pela incapacidade de lidar com a insuficiência e brevidade do pouco.

Talvez ela não saiba, mas ela já consegue aceitar as primeiras impressões como últimas. Só gostaria que fosse diferente com ela algumas vezes. Não pensou em quais seriam as primeiras impressões dele. (Dormiu e acordou sozinha. Guardou suas primeiras impressões com carinho, sorriu e, desta vez, não chorou.)