segunda-feira, 12 de abril de 2010

Certezas não são suficientes

Eu talvez tenha postergado em falar sobre isso. Talvez tenha demorado para digerir o assunto, talvez eu tenha só me deixado levar, seguir sem ficar me massacrando e me culpando. Mas, se eu tivesse que apostar, eu diria que eu só guardei bem guardado o que se passava pela minha cabeça e a forma que eu organizava fatos e sentimentos dentro de mim. Porque, no fundo, eu sempre achei que problemas são problemas quando você os enxerga assim.

Engana-se quem pensa que vou escrever mais uma vez sobre meus amores, sobre como anda o meu coração. Também é sobre o meu coração, mas não é sobre meus relacionamentos tortos. Resolvi escrever sobre o que sempre foi a parte mais organizada da minha vida: o meu lado profissional.

Há um ano atrás eu pedi demissão. Ganhava um salário bom, tinha uma vida toda arrumadinha. Horários flexíveis, um chefe engraçado e que valorizava a cor das minhas unhas (sim, isso é verdade!) e liberdade para tomar decisões. E, nas horas vagas, eu fazia o que eu mais gostava: dava aulas. Era como que ter dois empregos no mesmo lugar. Ou melhor, exercer dois cargos no mesmo lugar. Qualquer pessoa, olhando de fora, diria: nossa, que vida boa, que emprego recompensador.

Mas eu não estava feliz. Na verdade, eu estava mesmo à beira de um ataque de nervos. Eu dormia muito nos finais de semana porque me sentia esgotada. E tinha surtos de choro quando eu fazia compras no supermercado. O problema não era o emprego, nem eu, nem o acúmulo de atividades. Era tudo junto. Eu gostava do que eu fazia mas me sentia deprimida quando me imaginava fazendo as mesmas coisas por mais de 1 ano; eu era competente mas não tinha o poder de apertar o "foda-se" quando desligava o micro e ia embora pra casa, e me dava ao luxo de ser feliz depois do horário comercial; eu me sentia secretária de luxo exercendo a minha função e eu não tinha certeza de que era isso que eu queria pra minha vida.

E uma coisa que eu aprendi na vida é ser leal comigo mesma. Leal, sincera e honesta. E eu não suportava mais a vida que eu estava levando. Eu vivia pra trabalhar quando eu deveria trabalhar pra viver. Pedi demissão, desacelerei o meu ritmo - não por incompetência, mas por vontade - e passei os seis meses pós chute do balde só dando aulas. Não, não era suficiente pra eu pagar as minhas contas e me alimentar. Mas eu havia guardado um dinheiro, minimamente me organizado e me adaptei à minha nova vida.

É verdade, dá um desespero sem fim deixar de ter que acordar todo dia no mesmo horário e não ter rotina. Não ter rotina e não ter a mínima ideia do que se quer fazer pro resto da vida. A gente nunca tem, é verdade. Mas ter que lidar com a certeza do contrário sempre me pareceu mais difícil. É, eu até tinha a mínima ideia. Sempre tive vontade de fazer doutorado depois que saí da faculdade. Depois do mestrado eu estava um pouco cansada e quis experimentar um pouco da minha vida profissional longe (mas nem tanto!) dos livros. Mas sempre soube que essa vontade voltaria um dia.

Me dediquei alguns meses a tentar um doutorado fora do Brasil. Mas, conforme o tempo foi passando, muita coisa aconteceu no meio do caminho. Não em relação à minha rotina, não em relação às minhas vontades. Na relação que eu tinha comigo mesma. Quando abri mão da parte mais organizada da minha vida, abri também espaço pra eu me enxergar e me dei tempo de pensar em coisas que nunca tinha tido tempo nem espaço pra que elas aparecessem. Me senti perdida, triste, derrotada, incapaz, sem rumo ao mesmo tempo que sentia que tudo que estava acontecendo seria muito importante pro resto da minha vida. Deixei de me cobrar e fui vivendo, um dia de cada vez. E a vontade de fazer doutorado se transformou e medo e questionamento. Talvez 4 anos fora não fosse exatamente o que eu queria pra mim hoje.

As pessoas que cruzavam comigo, que dividiram a minha antiga rotina, me encontravam e diziam: "nossa, como você está bem!". Como quem se impressiona em ver alguém com câncer terminal sorrindo. Minha vida estava um caos e eu estava em paz comigo e isso se estampava na minha testa. Foram meses assim... Até porque, imagino, qualquer grande mudança sempre será precedida de desorganização, reorganização. Muitas questões internas se movimentam rápido e ao mesmo tempo, uma enxurrada de questionamentos vêm a tona e eu estava aprendendo a me olhar de forma diferente porque, afinal, eu estava diferente!

Os planos pro doutorado fora do Brasil não vingaram. Acabei enviando 3 applications só, pra 3 universidades bem difíceis de entrar e já esperava pela resposta negativa. Era janeiro e eu estava, de novo, na mesma situação de alguns meses atrás: sem saber o que seria da minha vida profissional e muito menos com vontades e certezas pra me meter em algo novo.

Nessa hora, eu tinha três opções: 1) não fazer nada e fingir que não era comigo o problema e continuar vivendo da mesma forma, 2) ir atrás de um emprego novo e aceitar a primeira proposta de trabalho que aparecesse, jogar na loteria e deixar que o acaso resolvesse a forma que eu voltaria a ganhar dinheiro (que foi exatamente o que eu fiz quando saí do mestrado) ou 3) fugir, pra longe, o mais longe que eu poderia, e deixar pra pensar nisso durante o tempo que eu estaria longe das minhas questões.

Eu escolhi a terceira opção. Tudo bem que não enxergo como fuga, assim, dessa forma tão simples. Mas não deixa de ser. De mais a mais, eu ainda precisava de mais tempo. Não pra resolver qualquer coisa. Não é mais questões de resolver, fechar opções, traçar rotas fixas. Eu ainda precisava terminar de abrir mão de tudo, me desvincular do que ainda eram vínculos, saber que eu poderia começar tudo de novo, quantas vezes eu precisasse.

Nem sempre as coisas acontecem exatamente da forma que gostaríamos que acontecessem. Na verdade, poucas vezes são assim! Mas nos culparmos, nos cobrarmos do que não temos o controle sozinhos é escolher sofrer pelo que não está nas nossas mãos. Vivi tempo demais me organizando e apegada na minha rotina, em fazer tudo certo. Dessa vez escolhi diferente. Escolhi fazer tudo errado, sem ordem, sem foco, sem olhar pra nada fixo. Como quem olha uma foto panorâmica, bem de longe, sem nada que chame atenção. Para poder olhar o amplo. A forma como o "tudo junto" faz sentido sem que exista cobranças e deveres.

Sexta-feira eu embarco para Toronto e é a única certeza que eu tenho hoje. E a única certeza de hoje nunca havia sido opção durante toda a minha vida. Não sei o que me espera, não sei o que eu quero e nem tenho objetivos nesta viagem. Não pretendo decidir nada, nem mudar tudo. Eu só quero sentir. Que as dúvidas venham e que passem... Porque certezas não são mais suficientes.

"There’s nothing to decide. There’s just walking forward." – Miranda July