quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Na terapia

Mais uma vez fui pra sessão sem ter a menor ideia do que eu iria falar e quais sentimentos iriam voltar à tona naquela uma hora. Como sempre, comecei contando sobre o que aconteceu durante a semana passada: o fechamento da viagem; a ida pra Alphaville para tirar o passaporte, dando tudo certo; a noite que eu quebrei o aparelho dos dentes de tanto que eu forcei um dente contra o outro, seguido do desespero de imaginar que eu teria quebrado um dente; a demissão da minha faxineira que fez eu me sentir malvada. Enfim, todos os fatos da semana que, de uma forma ou outra, tiraram meu sono e meu chão, mesmo que de forma leve. Continuei falando sobre fatos, chegando devagar ao que realmente me incomoda hoje: meu vazio.

Fui almoçar com uma amiga querida no sábado. Sempre nos vemos, sempre conversamos bastante sobre nós mesmas. É uma daquelas amigas que te conhecem do avesso, sabe onde ficam suas feridas e te ajuda a entender mais sobre si mesma na medida em que fala mais sobre si mesma. Temos visões parecidas sobre diversos aspectos da vida e, sobre aqueles que diferem, sempre escutamos a outra e acompanhamos o raciocínio. Dividimos histórias e compartilhamos vidas. Aprendemos juntas, com cumplicidade, e sempre oferecemos o nosso melhor à outra. Todas as vezes que nos encontramos falamos sobre a vida alheia, não no sentido de fazer fofoca e atualizar acontecimentos. Mas sim no sentido de ampliar nossa referência de vivências muitas vezes distintas às nossas próprias. Invariavelmente, falamos sobre nós mesmas mais do que qualquer coisa. E sempre repetimos o mesmo assunto, adorado pela maioria das mulheres: os relacionamentos.

Desta vez, nenhuma de nós duas estamos namorando. Não estamos trocando os pés pelas mãos. Não conhecemos ninguém minimamente importante nos últimos meses que nos mostrasse algo que não conhecêssemos sobre nós mesmas. Quer dizer, até conhecemos, mas ainda não foi suficiente para que continuássemos acompanhadas por eles. Durante aquela tarde de sábado lembramos daqueles dois anos vivendo em Porto Alegre. Rimos da forma com que nos apaixonávamos, da nossa forma de sofrer e de quantas tardes frias de domingo passamos acompanhadas de uma caixa de lenço ou mesmo acompanhadas uma da outra, bebendo vinho e repetindo as mesmas histórias, muitas vezes com personagens diferentes, no meio de raiva, lágrimas e procurando explicações. Aprendemos não só o valor do sofrimento mas o valor da amizade. Aprendemos a cultivar paciência, a escutar e a se colocar no lugar. E rimos, lembrando de como mudamos, e temos uma estranha certeza que, hoje, lidaríamos de forma mais leve com tudo aquilo. Na verdade, não acontece mais. Não existe mais espaço.

E foi mais ou menos acompanhando o ritmo do meu almoço de sábado que se desenrolou a sessão de terapia. É incrível como desenvolvi essa minha mania de começar pelo superficial e ir, devagarinho, como quem não quer nada, experimentando o que eu encontro além da superfície. Contei àquela mulher de expressão calma e olhar tranquilo o quanto me sinto bem, sozinha. Hoje, estar sozinha não me traz aquela sensação de angústia, quase desespero. Não faço mais questão de sempre ter alguém pra pensar, mesmo que fosse para sofrer. Não me vejo mais naquelas tardes frias de domingo dando voltas em círculo tentando entender por que o fulaninho fez ou deixou de fazer algo ou simplesmente sumiu da minha vida. Mas contei a ela que não faço questão de ficar sozinha. Mesmo bem, não quero continuar assim. Não sinto que estar sozinha é uma forma de evitar sofrimento, de fugir da frustração que acompanham amores com prazo de validade vencido. Não é medo. Não é uma tentativa de encontrar paz evitando a vida. É um vazio, triste e cinza. Conformado. Mesmo querendo acreditar que amores são sempre possíveis.

Mas quando ainda se quer acreditar é porque ainda não se acredita. E foi sobre isso que continuei contando a ela, entre lágrimas de transbordamento, que eu sei o quanto é possível ser feliz ao lado de alguém. Consigo dar exemplos infindáveis de relacionamentos que dão certo, de amores mútuos e compartilhados. Assumi a minha inveja de textos lidos durante a semana de homens apaixonados, amantes das suas namoradas. Homens que desejam ser pais, construir família. Comecei a pensar até que ponto eu sou responsável para que eu não viva isso. Do por quê eu não me deparo com esses homens na minha vida, que sintam isso comigo. Não acredito mais que esses homens não existam. Eles existem, aos montes. Mesmo porque muitos daqueles que passaram pela minha vida vivem ou viveram isso com outra pessoa que não eu. Depois, passou pela minha cabeça que eu faço questão das coisas darem errado. Que antes de qualquer relacionamento dar certo, eu vou lá e jogo areia, dou um jeito de estragar. Mas não acho que hoje esse ainda seja o caso. Já fiz muito isso, mas não mais. Não tenho mais medo das coisas darem certo e já me permito. Também pensei que eu pudesse ser daquelas que só quer o impossível, aquilo que não está ao meu alcance e lembrei que já não tenho mais 15 anos, quando eu sonhava com príncipes encantados. Talvez, agora, não exista mais nada de errado. Nem comigo, nem com eles.

Só sobrou o vazio. Me sinto em paz, mas me sinto oca. Escutando o eco do silêncio. Não me desespero. Choro. Um choro sem soluços, só lágrimas escorrendo devagar pelo rosto. Lágrimas que consolam e transbordam. Transbordam vazio...

Lembrei que tinha alguém me escutando quando ela começou a falar. Ela nunca se incomoda de eu chorar, mesmo nos dias que eu soluço e preciso de alguns minutos para desatar o nó da garganta. Foi uma sessão sem nós, sem angústias, sem sofrimentos exacerbados. E, com aquela expressão calma, de quem mantém certezas sobre mim que até eu mesma desconheço, ela me perguntou, depois de tudo que eu falei, o que eu pensava ser o meu problema. A primeira coisa que me passou pela cabeça foi: "essa infeliz não escutou uma palavra do que eu falei". Depois veio a confusão, de quem tenta pensar rápido e resumir sentimentos. E resumir sentimentos nunca foi meu forte. Antes de eu falar uma palavra, ela falou: "eu te sinto descrente. Não como quem não acredita que não existam certas coisas, mas como quem não acredita que não existam certas coisas pra você, com você. Você não parece acreditar que você possa viver certos momentos; não enxerga a possibilidade para você. Você se imagina vivendo e sentindo tudo o que te deixou triste essa semana, vendo pela janela, achando tão bonito? Desejou pra você?"

E tudo fez sentido. A paz, a tristeza, o vazio e a inveja. A descrença. A ausência de explicações e do medo que paralisa. A vontade de preencher o espaço que existe com vontades e possibilidades, antes de qualquer coisa.

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