sábado, 13 de fevereiro de 2010

O sonho

Antes de dormir, fiquei lembrando da expressão séria dele, concentrado no jogo. Ele tinha acabado de me ensinar xadrez e eu ria jogando. Me senti criança, descobrindo um jogo novo. Fiquei lembrando da expressão dele, do que eu via enquanto ele olhava pro tabuleiro. Não sei se ele percebeu que eu o olhava, mas eu gosto de imaginar que não. Em alguns momentos fiquei com vontade de bagunçar todo o tabuleiro para me aproximar e roubar um beijo. Ele estava concentrado, então, mudei de ideia.

Naquela noite conversamos de novo sobre nós - ou melhor, sobre cada um - e me senti ainda mais transparente. Nos conhecemos a pouco tempo e sinto que ele já sabe tanto... Tudo bem, eu sempre fui de falar sobre a minha vida e minhas questões com qualquer pessoa, não seria diferente com ele... É, é diferente com ele. Ele sabe sobre os meus questionamentos mais recentes, que nada mais são do que os passados transformados. Ele conversa com os meus olhos e até já me viu com nó na garganta. Ele até me falou coisas sem sentido que, eu mesma, vi todo o sentido do mundo e me emocionei.

"Você está na iminência de muitas coisas importantes acontecerem, de uma mudança muito grande, eu sinto isso". Foi mais ou menos isso que ele disse. E eu também sinto isso. Poucas pessoas se atrevem a dizer isso sem sentir. E não foi o caso dele.

Dormi com aquelas lembranças. E sonhei. Foi um sonho que mais pareceu realidade. Uma continuação de sensações, sentimentos e acontecimentos. Não havia fadas, nem fatos estranhos, sem pé nem cabeça, que costumo ter nos meus sonhos. Foi como um filme, sem enredo criativo. Mas foi tão colorido, tão gostoso.

Ele estava sentado na minha cama, agora de costas pra mim, sem roupa, do jeito que terminamos aquele jogo de xadrez. Eu desenhava com os dedos, em suas costas, enquanto ele contava uma história de infância ou da época da faculdade, em que somos meio adultos mas não nos comportamos como tal. Sabe, ele conta histórias como ninguém, mas ele não gesticula! Não, nenhum problema em não gesticular, mas lembrei que eu mesma gesticulo um pouco. Fiquei pensando o quanto ele é controlado na vida dele. Eu sou completamente impulsiva. Ele mesmo reconheceu isso em mim em menos de dez minutos de conversa. Ele falou que também era, mas não sei... Acredito que ele acelere a vida só até o momento em que ele mantém o controle... E ele sabe manter o controle de si. E eu? Eu não sei. Eu quero acreditar que sim, mas toda vez eu me perco e só percebo depois.

No sonho, ficávamos ali um tempo, eu desenhando nas costas dele e ele contando histórias. Depois eu fazia uma massagem devagar, sentia todas as preocupações dele nas minhas mãos, até soltar os nós. Ele já deixava de ter a expressão séria e, em alguns momentos sentia cócegas. Ria. E ele tem uma risada deliciosa. Pessoalmente e também no sonho. Eu já o sentia ali, sem culpa, sem peso algum disfarçado. Sentia-o inteiro... É, no meu sonho ele era inteiro...

Depois ficamos de barriga pra cima, olhando pro teto, conversando um com o outro. Nos espiávamos de rabo de olho. No sonho, falamos mais do que falamos durante um mês, mas quase não lembro dos diálogos. Lembro das cores, vivas. Lembro do som da respiração, das risadas. Lembro do brilho dos olhos e lembro de sentir o medo e a culpa evaporando. Os meus e os dele. Quase lembro do cheiro e de sentir meus pés gelados naquele sonho.

Sonho, às vezes, é mais real do que a realidade... Queria sonhar acordada, agora.

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