Quase não dormi naquela noite. Preparei a mala, enfiei tudo dentro, como quem não quer ir e, já que ia, queria levar tudo comigo. O voo saía às sete da manhã do outro dia. Já havia passado das três e eu continuava deitada, olhando pro teto. Dormi rezando para que o final de semana fosse, ao menos, de sol em Florianópolis.
Voei lendo Leite Derramado, do Chico. Pois é, andava atrasada com os meus romances. Tanto tempo e eu ainda não havia lido o último, logo de quem... Lembrei de como era sentir frio na barriga. Sempre sinto quando o avião decola, o azul do céu muda, as nuvens ficam abaixo de mim. No meio de um romance, a sensação ainda era mais forte. E boa.
Uma hora depois e eu já estava em Santa Catarina. Um céu azul limpo com sol. Sensação de ter deixado em São Paulo as minhas nuvens cinzas e meu coração que andava apertado. Eu nunca fui muito de gostar de praia mas, Florianópolis, é diferente. Todas as vezes que fui pra lá - correndo ou não - senti uma paz inexplicável, de quem se permite andar de olhos fechados sem ser surpreendido com a quina de uma mesa, bem no joelho. Uma paz não correlacionada com qualquer acontecimento ou ação. Independente de qualquer acontecimento para ser sentida, sem causas. Sempre foi além da razão e nunca consegui entender muito bem. Mas também nunca tive a pretensão. Paz a gente sente e pronto. É bom demais para colocar pesos de entendimento nela.
Era formatura do meu irmão, o mais novo. Missa na sexta-feira, colação de grau e festa no sábado, domingo de ressaca e pronto. São Paulo à noite, para dormir e acordar na segunda-feira, já em casa. Fui imaginando aquele monte de parente, minha mãe implicando com o meu copo e o meu decote. Mas passaria rápido, pensei. Mas foi tudo diferente.
O sol de sexta-feira mereceu praia e mar. O sol queimava e a água gelava. Ah, os extremos! "Seja quente ou seja frio, não seja morno que eu te vomito". Eu estava exausta por causa das poucas horas dormidas na véspera mas a minha felicidade de estar ali superava o cansaço, e eu esqueci. Sexta-feira terminou depois do jantar em família, mesa grande, primos reunidos e tios também. Minha mãe, sentada do outro lado da mesa, nem falou do meu copo de cerveja que estava sempre sendo cheio pelo meu primo, mais novo e mais alto que eu.
Dormi um sono só e acordei na tarde de sábado. Almoçamos todos juntos, mais uma vez. Dormi de novo e acordei com preguiça de salto, maquiagem e vestido longo, que a ocasião da festa pedia. Me arrastei e lá fomos todos juntos, como sempre, para a colação. Essa coisa de todos juntos me irrita um pouco. Tem dias que eu não gosto de dividir nem o silêncio. Imagine o barulho de vozes diferentes ao mesmo tempo, o que não me causa! Mas estava passando rápido.
A colação de grau foi linda! Mas colação de grau só é legal quando é a nossa. E, quando é irmão, a gente se orgulha e, no meu caso, lembrei de que estou ficando velha.
Eu já estava mais animada pra ir pra festa! Essa coisa de ir e voltar pros lugares e sempre ver o mar, ao seu lado, pode acabar com qualquer desânimo, até o meu! A noite fresca, o riso leve dos meus pais, os amigos do meu irmão (que quase já são meus também!) animados... Família é bom, amigos reunidos é bom e, vira e mexe, a gente esquece. Mas lembra, sempre lembra, depois.
Entrei no salão com o meu irmão. Fomos os últimos da família. Ele estava resolvendo as últimas questões burocráticas com convites e etc, e eu o acompanhava. Os convidados foram chegando devagar e eu conhecia quase todo mundo. Alguns amigos dele da época que ele morou lá também estavam e fiquei conversando um bom tempo com eles, principalmente com um casal, um pouco mais velhos que eu, que trouxe um amigo junto.
Ele era bonito, conheceu meu irmão pelo casal. A fisionomia dele não me era estranha. Descobri que ele também era de Assis e eu conhecia bem a irmã dele. Nunca tínhamos nos encontrado. Pelo menos, não lembrávamos um do outro. Começamos a conversar sobre o Canadá. Ele morou em Vancouver e, se tudo der certo, eu estou indo pra Toronto. É longe, eu sei. Mas já era algo em comum. Conversamos bastante. Servi seu copo com uísque e exagerei na dose. "Você é responsável pelos os meus atos depois dessa", ele falou. Rimos. E ele repetiu, para todo mundo ouvir: "ela é responsável pelos meus atos hoje, depois dessa dose!". Mostrava o copo e sorria pra mim. E eu ria, ainda mais, concordando.
Passamos um bom tempo todos juntos: o casal, eu, ele do meu lado, e quem parasse para conversar e dançar por ali. Saímos todos para fumar charuto e cigarros e voltamos todos juntos. De repente, sumiram todos e ficamos só os dois. No meio de pessoas desconhecidas, demos as mãos e conversamos um no ouvido do outro, com a desculpa de sermos escutados no meio do barulho. Sorrimos um para o outro e se fez silêncio. Não escutávamos mais nada e sentíamos só um ao outro. Não nos beijamos. Minha mão já estava gelada e meu coração na boca, do mesmo jeito que eu o sentia decolando de São Paulo para Florianópolis. E era tão bom...
Dançamos juntos, abraçados. Sem ritmo, mas quem se importa? Saímos dali com a desculpa de fumar de novo. No silêncio, longe do caos da festa. Ficamos abraçados, sorrindo, conversando amenidades. Nos beijamos. Fugimos dali para sentar no chão do estacionamento e encostar a cabeça no ombro um do outro. Nos beijamos de novo. E mais uma vez.
Passou rápido. O dia estava quase amanhecendo quando voltamos pro salão, quase vazio naquela hora. Continuamos de mãos dadas. Quase já não lembrava da sensação de andar de mãos dadas, de alguém me conduzir pela cintura, de me trazer pra perto do corpo como quem me protege. Meu coração já não era mais aquele apertado que saiu de São Paulo, dois dias antes. Ele já estava cheio e quase explodindo naquela hora.
Quase não lembrava também da sensação de sair do banheiro de uma festa e ter alguém me esperando. Acho que eu nunca tinha prestado atenção nessa sensação. Não sei se é comum sentir o que eu senti ou se foi culpa dos olhos e do sorriso dele. E do jeito de abraçar, de quem sentiu saudades. Aqueles olhos claros, transparentes, mostrando uma alma meio tímida mas de quem eu ainda sabia pouco e queria saber mais.
Nos despedimos. Já sabia que era bem provável não nos encontrarmos mais. Não tão cedo. Mas senti saudades em menos de cinco minutos. Senti vontade de olhar pra trás quando nos viramos para ir um pra cada lado. Mas continuei. Senti medo de sair correndo de encontro a ele e não mais voltar. Me arrependi, desta vez, de ser comedida e fazer o que minha cabeça mandou.
Adormeci, lutando contra o sono. Tentei, em vão, não dormir pensando que pudesse parar o tempo. Acordei morta, de amor, e continuei a viver... Tão bom! Arrumei a mala, desta vez, como quem não quer voltar. Fechei a mala como quem sente falta de levar o que eu não havia levado, mas o que se tornou a maior bagagem que eu poderia ter!
Esse está incrivelmente foda. E vc apaixonada. Por alguem que realmente tem o sorriso e sorriso no olhar apaixonante.
ResponderExcluirMais o texto..ah... o texto....que gostoso ler, reler, e ler de novo. Me tirou um tímiso sorriso....e deixou ,eu dia mais suave. E.A.T
Esse está incrivelmente foda. E vc apaixonada. Por alguem que realmente tem o sorriso e sorriso no olhar apaixonante.
ResponderExcluirMais o texto..ah... o texto....que gostoso ler, reler, e ler de novo. Me tirou um tímiso sorriso....e deixou ,eu dia mais suave. E.A.T
Você já reparou que quando a gente morre de amor, a gente não "continua vivendo?". Porque quando a gente morre, parece que começa a viver nesse momento, que não existia vida antes.
ResponderExcluirPuta texto. Puta texto.
Rob
Excelente. Te acompanho pelo Twitter e não a conheço, mas de fato Floripa tem essa magia. Grande beijo e aproveite!
ResponderExcluirAh, que lindo!
ResponderExcluirMuito obrigada, "Anônimo"! Queria saber quem é você pra eu te acompanhar tbm! :)
Mas tudo bem! Um beijo!
Mari!!!!!!!!
ResponderExcluirque lindo!!!!!
Grande beijo!
Andreza
Dreza, que saudadesss!
ResponderExcluirE sim, foi lindo mesmo! :)
Apareça mais, aqui e na janelinha! :***
toda vez que leio, me vejo na situação....como é bom viajar!!! Mas não deixe de fazer o que as vezes parece loucura, a oprtunidade pode ser única, e talvez faça a diferença para o resto da vida....um beijo
ResponderExcluirpaula fagioli verderesi
Ai prima, que lindo!
ResponderExcluirPois é, acho que às vezes me falta um pouco de loucura! Mas vou lembrar sempre do que você falou! Talvez faça diferença pra sempre...
Muito obrigada!