sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Sobre ele

É claro que ele tem lá as manias dele. Eu também tenho as minhas. Às vezes a gente se entende. Mas sempre a gente se sente. Como se cada um soubesse a temperatura do outro, sem usar termômetro. E colocamos um casaco ou nos despimos, dependendo da temperatura dentro de cada um. E dos dois juntos.

Eu nunca fui daquelas que espera um príncipe no cavalo branco. Meu negócio sempre foi olhar pros meninos de óculos ou de cabelos bagunçados. E se fosse míope, gostasse de matemática e tivesse os cabelos bagunçados, que usasse lentes de contato ao invés de óculos, também estava de bom tamanho. Até que apareceu ele.

Ele era amigo de um amigo do outro amigo que morava fora a algum tempo e nesse dia eu caí da cama e resolvi sair da proteção da minha casa e viver lá fora. Vesti meu melhor sorriso, um salto (que é a forma que toda mulher usa para aumentar uns centímetros e alguns pontos de auto-estima) e fui tranquila, nem me lembro mais para onde. Eu já havia perdido a minha pressa e as minhas esperanças. Estava saindo com um e com outro que não valiam a depilação do mês. E ainda sofria por eles. Sofria simplesmente pelo costume de sempre sofrer, mesmo que fosse de mentirinha.

Como disse Clarice, "Que se há de fazer com a verdade que todo mundo é um pouco triste e um pouco só?". Eu sempre soube da minha solidão, sempre tive consciência dela, mesmo quando eu me enroscava em outras pernas, em noites quentes que eu buscava certos significados para a química e para os laços frouxos amarrados em fantasias bobas. Noites vazias. O tempo e a realidade me ensinaram a viver só, solta, leve. Aprendi a gostar dessa condição de ausência. Parei de fugir do oco, parei de procurar ensandecidamente qualquer coisa que pudesse me fazer melhor. Aprendi a viver sem me sentir angustiada e sufocada pelo excesso de espaço.

Eu já não precisava mais arrastar os móveis para dançar na sala. E não existe sensação melhor do que dançar no espaço, pro vazio. Me entende quem já se viu sozinha num palco de um teatro, holofotes acessos, plateia apagada. Sem ninguém. Você, o silêncio e ninguém mais.

Pois é, aquela noite, fui viver. Eu, minha solidão, um amigo acompanhado de outros amigos e meu copo de mojito. Ele se aproximou e sorriu. Se apresentou com total desenvoltura. Não me interessei. Ele não gostava de matemática, não era míope. Só tinha os cabelos bagunçados. Foi só quando começamos a conversar, nós dois com todas as outras pessoas em volta, foi que eu o enxerguei pelo contraste. Ele amava viver. Transbordava amor pela vida, por si e parecia se bastar nessa felicidade. Talvez ele fosse um pouco só, mas um pouco triste, duvido. Era quente e ocupava espaço por ser, sem querer mostrar-se. E surpreendia-se na mesma medida que me surpreendia.

A sensação que tenho foi que, ao invés de nos conhecermos, nos reconhecemos. Não por afinidades e por identificação. Talvez eu seja o tipo de pessoa que ainda foge dos espelhos e não queira ainda alguém tão parecido assim comigo pra estar do meu lado. Mas também preciso dizer que dessa vez não quis nada. Não deu tempo. Ele quis por mim e assim foi.

Eu me deixei levar. Pelas surpresas, pela paz, pelo sorriso sincero e por ele não querer demais. Por não querer mais do que eu sou, do que eu posso. Por não cobrar e não me deixar cobrar de mim mesma o que não está ao meu alcance. Por saber me levar nos braços e na lábia, e não ter a pretensão de preencher os meus espaços que são para permanecer como estão. E me deixar saber que a sala estará vazia para eu dançar sozinha quando eu quiser.

Por ele amar viver mais do que me amar, me deixei levar. Por me sentir e se deixar sentir. Por nem questionar quem eu já fui, quem eu sou ou quantos anos eu tenho. E por conseguir permanecer ao meu lado mesmo quando eu mesma fujo de mim, no desespero, na angústia, nas sensações que não passam, no choro da TPM, nas lágrimas de transbordamento, na loucura. Por permanecer ali, sem reação, em silêncio, mesmo quando eu me debato em sombras.

Fico tentando pontuar o que mais amo nele. Gosto do silêncio doce quando me largo nos braços dele ou das nossas risadas de madrugada, sentados na cama, ele contando histórias do cotidiano que me fazem lembrar de como podemos ser feliz ou triste, é realmente só uma questão de ponto de vista. Gosto da forma que ele simplifica a vida e resume os meus dramas particulares, achando graça ao invés de sair correndo, como a maioria sempre fez. Mas gosto de tudo, gosto mesmo do inteiro.

Que todas as noites, e os dias, e todo o resto, continue assim. Enquanto durar. Enquanto a existência nos bastar.

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