Ontem, antes de dormir, fiquei pensando sobre a conversa despretensiosa que tivemos no fim da noite, no início da semana. Voltaram as sensações de quando te olhei nos olhos pela primeira vez e te senti como um velho conhecido meu. Mesmo sem você dizer uma palavra sobre o assunto, eu sei que foi recíproco. Só nos reconhecemos.
Pode parecer piegas, clichê, mas vejo muito de mim em você. A forma de colocar alguns pontos através de comentários bem humorados, a mania de pedir desculpas pelas frases assertivas e diretas quando se dirige a mim, a irritação que você diz sentir quando tenta explicar o que não entende: que a sua realidade é diferente de outras tantas realidades.
Gosto da naturalidade que você trata o raso, o superficial dos relacionamentos. Dos seus e, talvez você não saiba, dos meus. Ontem não disse, mas senti vontade de te contar que a maioria dos meus relacionamentos também foram superficiais. Senti vontade de te contar mais. Que esses meus relacionamentos foram superficiais não só porque a maioria das pessoas não entende o que eu falo e não enxerga certas coisas com a cor que eu enxergo. Foram rasos também por mim, assim como os seus também devem ser por você. Não pela forma de agir e sentir. Não por se expressar de forma inteira e conexa, coesa. Só por medo de molhar um pouco mais que as canelas na água fria.
Não estou te julgando. Falo isso para você porque falo também a mim mesma. Passei tanto tempo da minha vida só molhando as canelas, tentando imaginar como seria mergulhar meu corpo inteiro no desconhecido. Mergulhar e abrir os olhos debaixo da água e ficar lá embaixo, submersa, até que me faltasse ar, pra voltar a tona, com um sorriso satisfeito e os cabelos molhados. Inteira.
Queria ter falado não sobre o raso, mas como deveríamos nos sentir quando, enfim, mergulhássemos. Sobre quando o superficial deixa de ser. Preferi o raso. Por medo de te mostrar certas coisas e, mais ainda, por medo de me mostrar. Pois é, a gente se guarda por tanto tempo sabe-se lá porquê! No fundo sabemos que viver sempre e mais é muito melhor do que manter a nossa imagem formada por olhos alheios. Alheios ao que realmente somos e o que pensamos. Mostrar o conveniente, o conhecido a nós mesmos. Concordo que não seja com qualquer pessoa que apareça que conseguimos guardar nossas máscaras e sorrir sem medo de quebrar os dentes ou deixar que vejam através dos nossos olhos.
Não acho que essa coisa de não se preocupar seja preocupante. Mas as vezes me questiono se não tenho andado por aí com os olhos pouco abertos, se sou capaz de enxergar as pessoas certas que cruzam meu caminho. Se eu não teria uma certa cegueira seletiva ou talvez só uma espécie de daltonismo, que enxerga tudo e todos preto e branco. Assim, como você falou: "não gosto de nenhuma".
Naquela noite em que voltávamos daquela festa daquele prédio antigo, eu alterada pela vodka, o rádio tocando aquela música boa, você me perguntou o que eu esperava de alguém quando eu disse que o que eu queria na vida era ser feliz. Eu disse que eu esperava alguém que me aceite, que nem precisava me entender. Pois é, acho que talvez eu tenha simplificado um pouco demais. Mas não menti. Talvez eu nem espere por alguém que me entenda, mas que sinta o mundo da forma que eu sinto. Que sorria das mesmas coisas que eu e que ria das minhas piadas. Que tome cuidado com as minhas sutilezas e leia as minhas entrelinhas. Que não só me veja, mas que me enxergue quando nos cruzarmos por aí. E que seja recíproco, porque tem dias que eu acredito que sou eu quem não enxerga a um palmo de distância. Talvez essas pessoas até tenham aparecido, mas sinceramente não sei. Eu provavelmente estava perdendo meu tempo com alguma coisa besta.
Um dia me disseram que perder tempo com a pessoa errada era só perder tempo. E acho que isso tem a ver com aquilo que eu te disse naquela noite em que éramos os únicos a conversar sobre concretudes e sutilezas da vida enquanto tocava uma música alta: ter dúvida é ter certeza. Se não temos a segurança de dizer que alguém ocupa espaço suficiente na nossa vida é porque, provavelmente, ela não ocupa. A dúvida não existe mais.
Talvez por medo de nos encontrarmos, vamos levando a vida só com aquilo que ela nos deixa no colo. Aceitando e só. Vivendo de superficial em superficial. Sem pensar se aquilo nos basta. Continuamos por aí, andando com olhos meio abertos. Deixando passar aquilo que nem sabemos e nem questionamos.
"E um encontro sem procura era tão inútil quanto uma procura sem encontro". [Caio F. Abreu]
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