domingo, 11 de janeiro de 2009

Vestindo meu melhor sorriso

Noite de ontem, insônia. Olhei em volta tentando identificar algo fora do lugar. Já terminava uma semana assim. Nada em volta parecia ser motivo ou desculpa para roubar-me tanto. Criei coragem, fechei os olhos e olhei pra dentro.

Ameacei abrir os olhos para deixar de ver. Resisti até tornar-se quase insuportável. E, nesse momento, permaneci de olhos fechados. Ah, o insuportável! Como eu precisava dele…

Durante algum tempo vivi meus dias para organizar meus sentimentos. Discuti muito as minhas relações internas. Olhei cada pedacinho de mim com cuidado e até criei um certo carinho por eles. Me livrei de mágoas e rancores que sujavam as minhas cores. Apesar que nunca fui muito de mágoas e rancores. No fundo, só me sentia cheia de entulhos, de coisas desorganizadas e mal resolvidas. E cismei que eu teria que organizar e resolver cada uma delas.

A cada uma das minhas inseguranças eu dei um nome. Talvez como quem busca ter domínio sobre elas. Dobrei bem pequenininho cada um dos meus amores mal resolvidos e os guardei, empilhados, debaixo da cama, bem lá no canto. Fora do meu campo de visão. E em cima da pilha colei um post-it verde limão escrito “arquivado”. Acendi uma vela para os meus fantasmas e pintei as paredes do meu quarto de branco. Tirei o pó dos móveis e estiquei s rugas da minha alma, recém chegada da lavanderia.

Frequentei as sessões de terapia religiosamente. Toda santa-quinta. Aceitei que nenhum emprego deve ser assim tão legal, já que deve ser um pouco difícil te pagarem bem pra te verem feliz.Me matriculei na academia. Já me olhava no espelho com certa vaidade e um sorriso educado e abafado no rosto.

Chorei algumas vezes por encontrar lugar algum para certas vontades, sensações, anseios. Algumas vezes parecia que faltava espaço dentro de mim praquilo tudo. Mas nada como priorizar certas coisas e abafar outras.

Pronto. Nada fora do lugar. E me vi ontem com insônia depois de toda uma semana assim.

Quando fechei os olhos vi exatamente assim: nada fora do lugar. Não faltava nada. Parecia que cada parte minha estava encaixada perfeitamente, sem frestas. E estava tudo tão fosco. Tão exatamente cada qual no seu cada qual que não me reconheci. Paralisei diante da irrealidade que eu havia me tornado. Percebi o quanto, agora, eu tinha medo de tocar tudo aquilo que construí. E o que restava era medo de estragar o que eu tinha demorado tanto para colocar no lugar. Sem frestas, não sobra espaço para dilatar.

Diante daquela sensação de sufocamento, fiquei ali, de olhos fechados por um minuto. Chorando lágrimas delicadas. Já não sabia deixar transbordar, chorar soluçando, viver o caos que durante muito tempo atrás eu chamei de meu. Eu queria o meu caos de volta. Era dele que eu precisava para que aquelas noites de insônia fizessem sentido. Queria ter a certeza do meu sorriso no outro dia quando, depois das poucas horas dormidas, eu acordava com a sensação leve de ter passado por tudo aquilo e continuar ali. No fundo, eu gostava de me reconhecer no exagero de uma noite transbordada.

Chorava um choro abafado. E percebi quanto tempo sorri abafado também.

Conforme conseguia me manter de olhos fechados, olhando para tudo aquilo separado por cores, tamanhos e tipos, em ordem alfabética sem sentido, comecei a organizar tudo, de forma bagunçada. Eu sempre preferi as cores misturadas e olha o que eu tinha feito comigo! Me vi num mundo monocromático, colorido só em tons pastéis degradés. E eu sempre gostei de vermelho, azul turqueza, verde bandeira, amarelo ouro.

Fui tirando tudo do lugar, abrindo frestas, deixando espaços abertos. Desdobrei meu caos e o pendurei na parede e do lado escrevi “aqui jaz o branco”. Misturei as cores de novo. E dormi.

Acordei e lembrei de ter soluçado baixinho na noite anterior. Transbordado. Sorri decidindo que as manhãs das santas-quintas serão só para curar minha ressaca, seja do que for. Chega de tentar entender tudo sempre, banalizar a minha loucura e enaltecer a mediocridade da normalidade. Não sou eu quando sou assim.

A minha bagunça já não é a mesma de antes. Cheguei a jogar certos textos, pretextos e sentimentos quando resolvi acreditar que o meu mundo deveria ser branco e rosa. Mas o vermelho, o azul turqueza, o verde bandeira e o amarelo ouro já pintam as minhas paredes. E no chão encontro certos gestos de melancolia que pisarei de vez em quando.Por felicidade ou rancor.

Rasguei todos os manuais. Vou aprender vivendo. Não quero aprender nada antes pra viver depois. Sou o tipo de pessoa que dá a cara a tapa e não liga de conviver com o seu hematona por algumas semanas caso leve uma surra. Eu ainda gosto de sair na chuva e sentir na pele a chuva em mim. Olhar pela janela já não tem mais graça. No outro dia vem o sol e seca tudo, não tenho medo. E molhada, o sol será mais quente pra mim.

Eu preciso chorar de soluçar as minhas insônias. Transbordar. Isso pra mim é viver.

Tanta segurança me engessou. Paralisou o meu sorriso. Desacelerou o sangue vermelho vivo das minhas veias que faziam pulsar meu coração. Da janela, a chuva não é tão fria e muito menos, o sol tão quente. Não nasci para separar o mundo em certo e errado. Nem pra colocar sentimentos em ordem alfabética. Eu vivo de muitos exageros e certos cuidados me bastam. Eu gosto de dançar na sala de casa, ou na praça ou na rua, no improviso, ao som que o mundo me oferece. Me mata pensar em dançar uma valsa num salão onde todos vestem traje de gala, tão iguais a passos ensaiados.

Acordei e saí. Fui viver. Segura só de que meus dias seriam, a partir de então, vividos em cores vivas. Acordei e saí. Vestindo meu melhor sorriso.

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