quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Mesmo sem ter ficado

Acordei domingo, te vi na minha cama dormindo e tentei lembrar dos detalhes da noite anterior. Eu não lembrava de quase nada. Não dos detalhes. Não de alguns. Lembrava de não ter perdido nenhum cartão de crédito, de que eu tinha subido a Augusta sentindo uma bolha no meu pé e do momento que você começou a me olhar diferente. Mas não lembrava do momento do beijo, da forma como você tirou a minha roupa no sofá de casa, nem do caminho que fizemos da sala para o quarto. Lembro de ter sido bom e de ter sorrido com os olhos a noite inteira.

Lembro de não ter esperado nada de você, mesmo que isso fosse tudo o que eu mais queria depois do meu segundo copo de Mojito. Homens que andam ao meu lado no meio da rua, no meio da noite, despertam em mim mais que admiração, ainda mais quando eles são altos e de olhos claros. Despertam meu interesse e instigam minhas fantasias, dessas que eu escondo com esmero enquanto desvio olhares. Eu desviei olhares a noite inteira, isso eu lembro. Queria evitar a todo custo que você fizesse algo só porque eu queria. Como se em algum momento da minha vida eu tivesse tido controle sobre vontades alheias. Eu nunca tive e não seria com você. Lembro da forma como eu piscava devagar, mantendo os olhos fechados por alguns milésimos de segundos a mais do que eu costumo manter, implorando para que os meus sentidos respondem ao meu racional. Evitando escancarar o que meus olhos já não conseguiam disfarçar.

As conversas que tivemos eu também guardei na memória. Talvez por terem sido óbvias para mim naquele momento. Ou só talvez porque eu as repetia mentalmente antes de sairem da minha boca. Como se eu fosse ponderada o suficiente para pensá-las antes de soltá-las e deixasse que chegassem aos seus ouvidos. Te falei que te conhecia mais do que você poderia imaginar. Não porque era realmente assim, e sim porque era isso que eu queria, no fundo. Apesar que tenho a impressão que consigo te decifrar bem, mesmo que em alguns momentos tento estancar meus pensamentos para não deixar consciente tudo aquilo que eu sinto vindo de ti. Porque eu bem sei que pode doer, por não ser recíproco!

Como fazia tempo que alguém não me deixava em estado de graça como você me deixou naquelas horas! Sabe, quando você me procurou e combinamos de nos encontrar, eu já sabia que você estava com o ego arranhado. Mas amigos são para essas coisas e era isso que eu tentava acreditar que éramos. É isso que eu continuo repetindo para o espelho, quando me olho e me vejo com a cara abobalhada. Quando me descuido do que eu deveria sentir. Quando te olhei dormindo ao lado, vi que era o seu ego arranhado que tinha te levado até ali. Vi que éramos amigos e minha bobice era em vão, criada por sentimentos escapados do meu controle rígido. Minhas fantasias haviam transbordado e eu tentava, sem sucesso, colocá-las onde nunca deveriam ter saído.

Por alguns momentos, naquela manhã, eu imaginei que poderíamos ser ótimos juntos. Mas, no fundo, eu sabia que não seríamos. Claramente havia ausência de paixão e não vi faíscas saírem entre nós quando nos beijamos, apesar de não lembrar muito bem. Pois é, tenho certeza também que eu lembraria, caso tivesse acontecido. E na ausência de lembranças percebi o excesso de desimportância daquilo tudo. Não deixou de ser bom, mas não foi nada fora do comum. Diferente de você, eu imagino, eu me entrego muito mais aos sentimentos feijão com arroz. Para mim, o fato de não ter sido excepcional talvez seja o mais belo. Os detalhes que se apagaram da minha lembrança dos fatos que não eram assim tão importantes. Eu vejo beleza mesmo no passar das horas acompanhado, nas conversas e risadas que se misturam com o excepcional. Na base que suporta as loucuras de uma noite regadas a alcool e fuga. Porque estávamos fugindo, cada um dos seus demônios. Você, do que tinha deixado de ter, mesmo pensando ter conquistado, e eu, da minha disciplina germânica e negação do superficial e louco. Fugimos tanto que acabamos mergulhados nos nossos mais assustadores demônios. Juntos.

Não imaginei em nenhum momento que eu fosse a mulher da sua vida, mesmo se eu chegasse a acreditar que você fosse o homem da minha. Não éramos nada. Mas vi em você o quanto eu quero de alguém que um dia quero ao meu lado. Não, não é idealização. São só valores que às vezes deixo pelo caminho em que só cruzo com quem destoa tanto. E nesses, eu abro mão por conveniência desses valores. Por carência e por necessidade de ser quem eu não sou. E quase fiz isso com você também. Quando te disse que eu sabia o que estava passando pela sua cabeça naquele domingo de manhã, eu quase não sabia quem eu era e quase deixei de gostar de mim. Quase deixei de gostar de quem eu demorei tanto tempo pra aceitar, em quem eu havia me tornado e me resgatado tantas e tantas vezes.

Consigo repetir as palavras quase exatas que te disse naquela manhã. "Eu sei o que você está pensando: Ela é legal, super gente boa, uma companhia ótima. Mas não é ela. Não quero nada com ela depois de hoje". E eu disse as palavras que eu imaginava serem suas com pesar, quase triste, mas, ainda assim, sem suspirar. Era tudo o que eu não queria. E ainda assim, era só o que era. Você não confirmou e também não negou. O que, de certa forma, é a maior confirmação que poderia vir de você, educado e ponderado. Aquilo que eu não era. Eu era uma louca tentando colocar em palavras tudo que eu deveria acreditar naquele momento. Você me perguntou no que eu estava pensando. Eu olhei para baixo e disse que só o que eu fazia era pensar no que você estava pensando. No fundo mesmo, o que eu repetia a mim mesma era algo como: "Eu sei que não mexi com você a ponto de nada! Mas como eu queria que você mudasse de ideia e olhasse o mundo da mesma forma que eu! Ah, se você tentasse, se você quisesse, mesmo que não sentisse... Se repetisse o que aconteceu hoje sem arranhões no ego, sem alcool, tenho certeza que você descobriria como ninguém precisa de tanto pra sentir tudo!". Não falei pois seria em vão. Como foi, agora. Aqui.

Eu já sabia desde sempre. E não à toa os olhares desviados, minhas falas pensadas, a ausência de suspiro quando coloquei em palavras toda a verdade que talvez eu não pudesse suportar. Verdades são ótimas só quando temos lágrimas que podemos secar com as próprias mãos. Era verdade que faltava muita coisa. Mas mesmo assim valeu a pena. Não pelo fato de buscar sentido em tudo que me acontece. Já aprendi a viver só sentindo e não tenho mais medo de me faltar o chão. A sensação de queda livre é deliciosa, mesmo que me valha a dor de chocar com o chão depois dela.

É sempre bom enxergar meus valores e relembrar do que eu quero para os meus relacionamentos quando estou com alguém, mesmo que seja por algumas horas. Aprendi a viver na eternidade entre os minutos...

E naquela noite, com você, eu lembrei de queeu quero alguém que me tire de casa, da minha zona de conforto e me faça desviar olhares em vão. Quero conversas que se sustentem na manhã do próximo dia, depois do efeito do alcool acabar e das luzes se acenderem. Quero não ter que tomar banho junto, mas brincar com o que aconteceu, sem o peso de manter encantado o que já se passou. Quero o inesperado, mas não quero o excepcional. Quero que me tirem o fôlego sem que me tirem a realidade. Quero que me impressione, sem que seja necessário apelar para o vislumbre. Quero o simples, por mais que eu seja obrigada a suportar a sinceridade.

E você foi. E fez tudo isso. Mesmo sem ter ficado.

Um comentário:

  1. Viver 100 anos em apenas um minuto. Não sei se é assim o trecho da música da Maria Gadu, mas foi o que me veio à mente ao ler seu texto Marianna. Ainda não consegui me dissociar da minha disciplina germânica, apesar de buscar fugir dela vez ou outra (com fugas que ela quase sempre consegue fazer com que me sinta culpada depois).

    Mas é engraçado como muitas vezes são estas fugas que nos ensinam tanto, não?

    Lindo post moça.

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