Comecei a pensar hoje sobre a minha loucura. Até porque de "santo e de louco todo mundo tem um pouco". Lembrei do dia que te conheci e do livro da Martha Medeiros que estava no banco de trás do carro quando te deixei em casa: "Doidas e santas", e que senti uma pontinha de vergonha de ler Martha Medeiros. Lembrei do que você me disse nos nossos primeiros cinco minutos de conversa, a alguns meses atrás. Você me disse que eu tinha jeito de quem trabalhava com qualquer coisa, menos com Economia. Como quem diz que eu parecia ter menos regras e que provavelmente levava a vida sem muitos modelos e teorias fixas.
É, eu sou assim. Pois é, um paradoxo tão óbvio que até uma criança de 9 (ou 19?) conseguiria perceber. E você não foi a primeira pessoa e nem a última a reparar. Lembrei daquela noite e senti nostalgia. Da sensação de leveza que eu sentia de quem pode até esperar alguma coisa de um sábado a noite, mas não de um domingo.
Lembrei e me perguntei por que raios eu estava lembrando de tudo aquilo, depois de tanto tempo. E de por que eu ainda estava intrigada. Não me apaixonei porque, sejamos sinceros, não deu tempo. Mas eu ainda sentia uma sensação estranha, de quem não se comportou como a mesma pessoa que é. Talvez fosse medo de me mostrar, medo de ser quem eu me tornei na sua frente. Medo do que você poderia pensar da minha loucura. Da minha forma de viver sorrindo, da minha mania de perfeição, de como eu sofro e choro na TPM, de como eu falo sozinha e faço caretas.
Queria eu mesma aceitar a minha loucura. Minha loucura e minhas vulnerabilidades. Viver em paz com ela e rir dos meus exageros. Aceitar que, como todo mundo, eu também erro. Mas ainda é difícil aceitar, sabe? Senti medo do que você pudesse pensar de mim se você realmente me conhecesse. Não queria que alguém como você percebesse que eu não era boa o suficiente, mesmo sem saber se você mesmo era. Porque, quando te vi, já sabia que sua opinião seria importante para mim, se ela se tornasse opinião. O que você pensasse e o que você sentisse teria valor a partir do momento que eu já te admirava e te considerava.
Fiquei pensando que provavelmente foi por isso que sempre me envolvi com pessoas de menos. Menos idade, menos experiência que eu, menos formação, menos caráter, menos gosto pelas letras e pela matemática, menos apreço por filmes europeus e iranianos. Desinteressantes. De alguma forma, as pessoas que acabaram entrando na minha vida destinadas a ir embora não se encaixavam nas minhas escalas de valores. A opinião delas era café com leite, tanto faz como tanto fez. Uma forma eficiente (e covarde, é verdade!) de não sofrer.
E, pra não sofrer, todas as vezes que aparecia alguém que mostrasse a mínima probabilidade de valer a pena, eu fugia. Não estou dizendo que te vejo e penso que seríamos felizes para sempre e que eu fui a víbora má que fez tudo dar errado. Nem chegamos a nos conhecer de verdade. Não é nada sobre você, e sim a forma com que te imaginei.
Por te imaginar uma pessoa interessante - e por ter algumas evidências sobre o fato - eu paralisei. Seria menos pior se eu tivesse saído correndo, fugido, sem olhar pros lados. Mas eu estava lá durante todo o tempo para sentir tudo o que eu senti. Por me ver e me enxergar agindo como uma pessoa que eu não sou, falando de menos, com assuntos esgotados. Alguém desinteressante e desinteressada. Morta, paralisada.
Você não me viu. Não conheceu as minhas loucuras. Não apontou meus erros e minhas falhas. Eu quase não existi depois daquele beijo. Por existir possibilidade, todo o resto deixou de existir. Não fui por ser tudo aquilo que eu sou. Por me poupar de sabe-se lá o quê, acabei mostrando uma loucura que não era a minha quando calei e fechei, portas e janelas, voz e sentimentos. Morreram sem viver.
Texto dedicado ao Guilherme. Que talvez pudesse existir além das minhas fantasias
Obs.: como todas as minhas crônicas, essa tem lá sua dose de verdade e sua dose de mentira. Mas como ela está dividida, entre o que foi e o que não foi, esta fórmula eu não revelo. Por não ser tão claro nem para mim.
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