sábado, 20 de dezembro de 2008

Cansada

Antes de amanhecer o dia, a noite de ontem deixou leve até os assuntos mais áridos com os quais tenho tratado de me ocupar nas últimas duas semanas. Rir a gosto acompanhada de marguerita frozen sentada frente a frente a uma irmã de coração não é solução, mas é uma deliciosa forma de deixar pro outro dia todas as coisas chatas que não se resolverão.

É. Às vezes, tentar resolver só piora certos problemas. Às vezes, deixar de resolver faz com que os problemas sumam por si só. E enquanto isso, mais uma marguerita frozen, por favor.

Mais tarde que de costume, deitei ainda vestindo meu rosto levemente rosado, rindo mole e dormi um sono só. Sonhei sonhos reais. Daqueles que se sente o cheiro, a textura da pele alheia, as borboletas no estômago. Ele chegava atrasado para a aula, atravessava aquela sala imensa e sentava ao meu lado. Sem dar atenção no que o professor se esforçava para explicar, ele olhava pra mim com um sorriso sincero e suspirava fundo. Quase que aliviada de vê-lo ali, o puxava devagar pelo braço e estalava um beijo meigo na sua bochecha. Depois disso, o sonho mudou e eu lembro de pouca coisa.

Mais cedo que de costume, como é costume só de algumas quintas, levantei ainda com resquícios. Das margueritas e do sonho. Desci a Angélica ainda meio zonza, mas já disposta a digerir certas coisas. Última sessão do ano. Falei durante 1 hora e meia, em meio a lágrimas incessantes. Desconfio que dezembro também sirva pra isso. Para pararmos em algum dos seus 31 dias para pegarmos sentimentos, pensamentos, valores, padrões, olharmos de perto um por um, recuperar tudo aquilo que cada um deles te causa e saber o que se quer levar pro próximo ano e o que se deve deixar pra trás.

E nesta manhã, ao invés de ter que juntar meus caquinhos, fui obrigada a quebrar meu gesso com as próprias mãos. Mexer as articulações, sentir de novo a pele em contato com a seda do vestido. Voltar a ter segurança para largar as muletas de uma vida toda e andar de novo.

Estranheza e leveza. Percebi o quanto estava cansada, esgotada de carregar todo aquele peso do gesso. Leveza e dor. Como era difícil não depender mais do meu gesso, mexer de novo tudo aquilo que se manteve fixo, imóvel, durante todo o tempo.

Dirigi devagar até o trabalho. Chorei de forma inconsolável até lá. Doía tanto… Dói ainda. Muito. Fiquei engessada tempo demais… Troquei meses de aflição por dias de redenção durante anos. Uma troca burra. Quem, além de mim, estaria disposta a fazer uma troca dessas? Quem, em sã consciência, usa gesso sem ter uma perna quebrada? Ainda não sei como me acostumei a sempre estar disposta a sangrar tanto durante tanto tempo por um curativo sem pontos, só band-aid.

Esperei, insisti, tive paciência, investi. Meses e meses. Por dois dias de beijos vazios que, mesmo assim, alimentavam os próximos meses e meses. E hoje, percebi que estava morrendo de fome, de sede. Que só me acostumei a beber água com conta-gotas. Mas que estava era mesmo morrendo desidratada. Eu queria ter abandonado o conta-gotas e ter tido uma morte mais rápida. O conta-gotas, no fim, só me proporcionou uma sobre-vida.

E de forma antagônica e real, ainda é assustador imaginar beber água num copo…

Chorei durante todo o dia. Olhos parados no monitor, me sentia sangrar. Mas rejeitei o band-aid. Tem horas que precisamos sangrar até cicatrizarmos sozinhos. E assim foi. Sentindo cada ferida aberta, respirei fundo e deixei sangrar. Era disso que eu precisava hoje.

Cheguei em casa mais cedo. Queimei em febre. Deitei. Meu corpo doente parecia reconhecer tudo aquilo que me faltava. Tive delírio e alucinação já caída na cama. Mas, algumas horas depois, tudo parece começar a tomar novo lugar. Estou cicatrizando, devagarinho. Recuperando-me do cansaço. E sentindo a nova sensação boa do meu vestido de seda tocando a minha pele.

E devagar também a estranheza se transforma em outras coisas que não só alívio… uma certa satisfação, talvez…

[... e este texto não acaba. Ainda não basto em mim e não consigo definir todos os sentimentos e sensações. Nem dos que virão e só um pouco dos que ficaram pra trás... e que eu terei que viver sem eles!]

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